segunda-feira, dezembro 31, 2007

Cinema

É um desenho?

A lenda de Beowulf inova no campo da animação para adultos

Desde de quando vi o primeiro trailer de A lenda de Beowulf, um sentimento de desconfiança pairou sobre minha cabeça. O longa, dirigido por Robert Zemeckis, utilizaria a mesma técnica de captura de performance dos atores vista no controverso O expresso polar, do mesmo Zemeckis, famoso por ter sido o primeiro longa realizado dessa maneira. O expresso polar também ficou marcado como um filme extremamente chato, com um visual que, embora chamasse atenção, exalava artificialidade.

Por outro lado, o roteiro de A lenda de Beowulf levaria as assinaturas da dupla Roger Avary e Neil Gaiman. O primeiro é conhecido pela colaboração com Quentin Tarantino no soberbo texto de Pulp Fiction; o segundo é um famoso escritor de quadrinhos – responsável pela série Sandman – e dono de alguns best-sellers no campo da literatura fantástica. Ambos enchiam o projeto de credibilidade.

Durante o longa é fácil perceber o quanto eles foram importantes para o saldo positivo apresentado nos 113 minutos de projeção. Zemeckis já havia provado ser um diretor talentoso na trilogia De volta para o futuro. Seu A lenda de Beowulf deixa claro que tudo que ele precisa é de um texto com qualidade para emplacar uma boa aventura. Se bem que estar de posse dos avanços tecnológicos proporcionados pelos três anos que separam O expresso polar do novo projeto ajuda muito no resultado final. A lenda de Beowulf é um épico cheio de magia, como há muito não se via nas telonas, em boa parte devido ao visual único, capaz de gerar combates empolgantes com bestas marinhas, dragões e ogros gigantescos a um custo acessível, algo impensável caso o filme seguisse o processo tradicional. Em alguns momentos até nos esquecemos que estamos assistindo a uma animação (seria este o melhor rótulo para o projeto?) e poucas vezes nos deparamos com os rostos artificiais que permeiam O expresso polar.

A história é baseada em um famoso poema épico, considerado o mais antigo registro em língua inglesa, que narra os feitos de Beowulf, famoso matador de monstros que se torna rei após aceitar uma proposta do único adversário que não podia derrotar.

As interpretações de feras do gabarito de Anthony Hopkins, John Malkovitch e da belíssima Angelina Jolie consolidam a força do projeto. Todos tiveram seus movimentos e feições capturados pelo computador, sendo impossível não reconhecer seus traços nos personagens, tamanha a perfeição do processo. Chega a ser irônico que apenas o protagonista, vivido por Ray Winstone, em pouco se pareça com seu intérprete na vida real. Fica difícil enxergar o gordinho Winstone dentro da pilha de músculos que compõem o jovem herói Beowulf. Os produtores até poderiam ter optado por outro nome, mas a imagem de bardo falastrão de Winstone o torna perfeito para o papel. Ele ainda serve como prova de que a tecnologia pode abrir novas portas para atores estigmatizados para certos papéis e personagens. Imaginem o franzino Steve Busceni ou então Woddy Allen na pele de um poderoso guerreiro medieval ao maior Arnold Schwarzenegger!

Winstone gostou da brincadeira. O visual saradíssimo conseguiu empolgar até mesmo sua esposa. Já Angelina Jolie confessou ter ficado um tanto “tímida” ao se ver nua no projeto que julgava apropriado para seus filhos pequenos. Não que a senhora Pitt tenha reprovado o que viu. O problema é que o resultado ficou muito próximo da realidade. Quem diria que um dia Angelina Jolie ficaria constrangida em expor sua intimidade em uma animação...



A parafernália responsável pela técnica caiu bem em Angelina Jolie

sábado, dezembro 29, 2007

Cinema

Filme de arte


Não se deixe enganar pelo título: Goya não é o centro das atenções...

Não foram poucos os críticos que classificaram Sombras de Goya como uma nova incursão do diretor Milos Forman no rico universo criativo que move o trabalho de grandes artistas – no caso, o pintor Francisco Goya. A leitura destes – incorreta, é bom frisar – foi motivada por um insensato esforço em traçar um paralelo com um dos grandes clássicos do diretor, Amadeus, que apresenta os rompantes criativos de Wolfgang Amadeus Mozart.

O fato é que a narrativa de Sombras de Goya sequer gira em torno do pintor espanhol, e quando o faz, perde um pouco de força. Em seu novo longa, Milos Forman usa a obra de Goya como pano de fundo para tecer um interessante retrato dos jogos de poder praticados entre clero, monarquia e revolucionários republicanos entre o final do século XVIII e início do XIX, com a constatação de que pouco importa quem está no poder, o povo sempre acaba perdendo.

Inês (Natalie Portman) é uma das musas inspiradoras do trabalho de Goya (Stellan Skarsgärd). O rosto dela aparece em diversas obras do pintor espanhol, o que chama a atenção do clero, que andava descontente com a perda de poder para a monarquia e não via com bons olhos parte da produção artística do pintor. Após reabrir os porões da Inquisição, Padre Lorenzo (Javier Barden) consegue um pretexto para condenar a bela Inês às torturas impostas pela contra-reforma. Submetida às piores provações, Inês sucumbe à dor e confessa atos que não cometeu.

Goya, homem influente junto à monarquia e com contatos no clero, tenta interceder pela família de Inês, que deseja a libertação imediata da moça. Em vão. Inês fica presa durante quinze anos e sai da cadeia durante a invasão de tropas francesas. Tomada em parte pela loucura, ela nem consegue perceber o novo cenário político que emerge no país, dominado pelas forças de Napoleão. Republicanos chegam até a Espanha prometendo as melhorias da democracia e a libertação da opressão religiosa. Promessas que, por ironia do destino, são disseminadas pela mais improvável das figuras. É aí que uma nova incursão estrangeira chega ao país, e com ela, uma nova inversão de papéis acontece.


Javier Barden rouba a cena na pele do soturno Padre Lorenzo

O filme não representa uma crítica direta aos atos da Inquisição. Tampouco àqueles cometidos pelos invasores franceses ou pelos ingleses que os sucederam. Forman não faz distinção entre os lados e mostra que, apesar de rotularem-se como diametralmente opostos, seus métodos são extremamente parecidos.

Vale destacar a ótima interpretação de Javier Barden na pele do padre Lorenzo e a beleza e sensibilidade de Natalie Portman como Inês e, posteriormente, no papel de sua filha adolescente. Mas a grande força de Sombras de Goya reside na mão firme de Milos Forman. Aos 75 anos, o diretor mostra que, apesar de não ostentar o respeito que merece após uma carreira marcante, continua apaixonado pelo cinema e sua riqueza narrativa.

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Cinema

Sem medo de ser "trash"

Rose McGowan alimenta o fetiche dos fanáticos por armas de fogo

Quentin Tarantino e Robert Rodriguez podem até não ser unanimidade em Hollywood, mas poucos contestam que a dupla seja responsável pelas maiores revoluções no formato do cinema norte-americano atual. Agora, os dois voltam a somar forças. Desta vez eles não tentam criar novos parâmetros para a indústria, apenas resgatar do limbo um estilo que fervilhava nas salas ianques durante as décadas de 60 e 70. Eram as grindhouses, sessões duplas do que de melhor – ou seria pior? – existia no cinema B do Estados Unidos.

Como a fórmula nunca pegou fora da terra do Tio Sam, o projeto intitulado Grindhouse chegou dividido às telonas brasileiras. Rodriguez responde por Planeta Terror, segmento que homenageia filmes de zumbis clássicos, em especial os criados por George Romero. Tarantino manda ver com À prova de morte, fita que remete aos tradicionais thrillers estrelados por carros assassinos.

Apesar de terem grande afinidade estética – ao ponto desta ser a quinta vez em que trabalham juntos – Rodriguez e Tarantino possuem estilos bem peculiares de direção, o que torna as duas metades de Grindhouse bastante diferentes entre si. Rodriguez mostra-se dono de uma veia mais mainstrem, e Planeta Terror, apesar de proposto como uma homenagem ao estilo trash, possui uma das produções mais bem acabadas do ano, que deve cair no gosto da molecada. Os efeitos especiais são de primeira, verdadeiro deleite para fãs do estilo gore, ou seja, não falta sangue e vísceras. Apesar disso, o filme não se propõe a provocar sustos no espectador, preferindo ficar no tom da paródia, seja através do nojo provocado pelas inumeráveis mortes bizarras, ou pela profusão de personagens esdrúxulos que dominam a telona. Destaque para o perito em armas El Wray (Freddy Rodríguez), a enfermeira Dakota Block (Marley Shelton) e seus problemas conjugais e, principalmente, para Cherry Darling (Rose McGowan), dançarina exótica que ganha uma metralhadora no lugar da perna.

À prova de morte soa como uma real tentativa de revisionismo do estilo grindhouse. Sem dúvida ele está muito mais próximo do clima daqueles filmes antigos, que ficaram famosos no Brasil durante as antigas sessões do Cine Trash da Rede Bandeirantes. O problema é que aqueles que se empolgarem com a ação frenética presente no filme de Rodriguez podem acabar entediados com a lentidão do filme de Tarantino, quase todo composto por diálogos, filmados em pouquíssimos ambientes. A boa notícia é que o diretor responsável por Pulp Fiction ainda constrói alguns momentos geniais, e apesar de À prova de morte ser provavelmente seu pior filme, não deixa de estar em um patamar superior ao da maioria dos longas exibidos neste ano. As interpretações inspiradas de Kurt Russel – como Stuntman Mike, dublê maníaco que usa o próprio carro como ferramenta de execuções – e do grande elenco feminino, que serve ora como vítima, ora como flerte para o vilão motorizado, contribuem para a força do projeto.

Após assistir aos dois longas confesso ter ficado surpreso por gostar mais da fita dirigida por Rodriguez. Tarantino sempre foi um de meus diretores preferidos, mas após o excelente Kill Bill, ele deve ter ficado com o ego nas alturas, a ponto de parecer pouco empenhado em seu projeto mais recente.

Ah! Vale destacar os ótimos trailers falsos que permeiam os dois longas, com destaque para o hilário Don’t – do diretor Edgar Wright, de Todo mundo quase morto – e para Machete, do próprio Rodriguez, ao melhor estilo diversão descompromissada do diretor mexicano. A brincadeira fez tanto sucesso que Rodriguez já almeja fazer um filme de verdade para seu trailer falso. Fico na torcida!

Fale a verdade: você teria coragem de pedir carona para este sujeito?

sábado, dezembro 01, 2007

Cinema

A velha mania de comparar


Tropa de elite teria condições de trazer o Oscar?

Vez ou outra, notamos semelhanças entre o cinema nacional e o futebol tupiniquim. Ambos ressaltam o temperamento brejeiro e festivo dos brasileiros, garimpam talentos em meio à vida dura nas favelas e estão sempre a procura de um novo fenômeno para garantir uns trocados a mais. A última “bola da vez” no campo do cinema é o onipresente Tropa de elite, sucesso nas telonas e camelôs.

Tropa de elite já foi analisado e discutido à exaustão. Todos os aspectos do longa parecem ter sido esgotados por inúmeras discussões suscitadas pelas mais diversas variantes do público, desde os cinéfilos acadêmicos até os adeptos da pirataria, passando pela lente global de Luciano Huck. Prefiro, portanto, ater-me a comparação do longa com o universo futebolístico, estratégia que rende magníficos dividendos políticos para nosso Presidente da República.

Assim como um grande time, que joga de forma vistosa para encher os olhos da torcida, Tropa de elite preocupa-se em mostrar na telona o que boa parte da população brasileira anseia ver: criminosos sendo exterminados. Mesmo sem analisar o mérito da questão, é impossível negar que o longa é na verdade um grande show, tal qual aqueles oferecidos pelos craques dos gramados, e por isso, angaria uma torcida pra lá de entusiasmada.

Estes querem o Oscar, um dos raros “canecos” que nenhum brasileiro teve o privilégio de erguer. O problema é que a Tropa liderada pelo Capitão Nascimento sequer entrará em campo para a disputa, pois o filme acabou preterido em relação ao longa O ano em que meus pais saíram de férias, do diretor Cao Hamburguer.

A torcida pode até chiar, mas a verdade é que a possibilidade de que Tropa de elite levasse a estatueta era tão grande quanto a de que Romário volte a seleção para a Copa de 2014. Embora seja um grande filme, Tropa de elite não possui o viés artístico necessário para encantar os jurados da Academia. A coisa piora se lembrarmos que superproduções com o pé fincado na análise social não são nenhuma novidade em Hollywood.


Policiais, bandidos e armas...
Confronto tão apoteótico quanto uma final de campeonato.


Mas os fãs seguem inconformados, em boa parte devido às inevitáveis comparações com Cidade de Deus, este sim inegável injustiçado pela Academia. As semelhanças residem na temática da violência urbana no Rio de Janeiro, mas caso nossas superproduções estivessem disputando entre si as inúmeras categorias do Oscar, Cidade de Deus certamente venceria com folga. Tropa de Elite teria de contentar-se com uma estatueta para Fernanda Machado como melhor atriz coadjuvante e um merecido prêmio para Wagner Moura como melhor ator, afinal, ele é o dono do filme.

Antes que o séquito de fãs do longa amaldiçoe minha existência, reitero minha opinião esclarecendo que considero Tropa de elite um ótimo filme. O problema é que Cidade de Deus é uma obra-prima, do nível da inesquecível seleção de 1982. Infelizmente, por alguns caprichos do destino, a qualidade de ambos não foi suficiente para que conquistassem os respectivos títulos.

sábado, novembro 10, 2007

Cinema

Compromisso com a diversão


Poucas vezes um título casou tão bem com o conteúdo.

Ao assistir Mandando bala, filme de ação que deve projetar o nome do desconhecido diretor Michael Davis, foi impossível não lembrar daquelas listas recheadas de feitos extraordinários que pipocam na internet, algumas atribuídos a Chuck Norris, outras a Jack Bauer. Até mesmo o já lendário Capitão Nascimento possui uma relação de façanhas espalhada pela net. Mandando bala nada mais é do que a formatação dessas peripécias mirabolantes em película, realizadas por um cada vez mais carismático Clive Owen na pele do casca-grossa Sr. Smith, sujeito que de tão durão, deixaria os rivais acima citados perplexos.

Com uma proposta dessas fica fácil prever que o enredo da história não será dos mais complexos. O lema aqui descomplicar. Sr.Smith é um tipo rude que detesta caras que se comportam mal, e por isso não exita em ir ao socorro de uma grávida perseguida por um grupo de extermínio. Não é preciso revelar o passado do personagem ou suas motivações. Menos é mais, e de mirabolante bastam as inúmeras cenas de ação, exageradas ao ponto de não poderem ser levadas a sério. E o charme do filme reside exatamente nisso: diretor e elenco nunca se esquecem que estão produzindo uma grande piada. O legal é que ela funciona.

É preciso entrar no clima hiperbólico da ação para rir de um parto onde o cordão umbilical é cortado com um tiro, ou com a constatação de que cenouras podem ser muito mais mortais do que armas de fogo (pode apostar nisso!). O clima de paródia permite analogias com o desenho do Pernalonga e cenas onde um casal não para de fazer sexo mesmo enquanto troca tiros com dezenas de criminosos. A produção não consegue cair no ridículo graças ao empenho do já citado Clive Owen e de outras feras do porte de Paul Giamatti, como o ótimo vilão Hertz, ou da lindíssima Monica Bellucci, personificando a deslumbrante prostituta Donna Quintano, interesse romântico do protagonista.

A competência do diretor para construir cenas de ação únicas e prá lá de impossíveis certamente cativará os amantes da cultura pop em geral. A arquitetura das seqüência lembram as intrincadas armadilhas desenvolvidas pelo Coiote para capturar o Papa Léguas. Quando você espera que o filme não conseguirá mais superar-se em seu próprio exagero, voi-lá, somos apresentados a uma cena ainda mais maluca. É certo que para um filme constituído nesses termos não faltarão críticos. Estes taxarão o longa de “acerebrado”. Mas até para isso o Sr. Smith possui uma resposta na ponta da língua, afinal, “o que ele mais odeia nos críticos é a carência de senso de humor”.


Não se deixe enganar, a ação não terá respiro durante o romance...

sábado, agosto 04, 2007

Cinema

Atropelando os pequenos


Transformesrs: definição mais que perfeita para blockbuster.

Ficou difícil para o vendedor de pipoca disfarçar o sorriso. A enxurrada de filmes arrasa-quarteirões que têm permeado 2007 foi capaz de devolver as cifras astronômicas de bilheteria às produções made in Hollywood. É claro que o retorno das “verdinhas” foi comemorado pelos estúdios americanos, que enxergam nesse crescimento um possível ponto final para a crise que assolou o mercado no início da década.

O ponto alto desse “pesadelo” aconteceu em 2005, quando a arrecadação com ingressos sofreu uma queda de 2,5 bilhões em relação ao ano anterior. Estúdios já se preparavam para fechar mais um ano no vermelho quando 2006 foi encerrado com a grata surpresa de um crescimento positivo de 6%. Um valor pequeno para grandes comemorações, porém, capaz de fazer alguns executivos respirarem aliviados. Foram 6,5 bilhões de dólares arrecadados em todo o mundo, valor ainda menor que o arrecado em 2004, e que deve boa parte de seu sucesso à generosa contribuição dada por Piratas do Caribe: O baú da morte, filme que, sozinho, somou mais de um bilhão para os cofres da Disney.

A quantia vultuosa serviu de mapa para que outros estúdios copiassem a receita. Era hora de voltar a apostar pesado nos blockbusters, de preferência àqueles capazes de render franquias recheadas de seqüências turbinadas. Plano que já está sendo seguido a risca, com 2007 capitaneado pelos estrondosos sucessos de Homem-aranha 3, Shrek Terceiro e Piratas do Caribe: No fim do mundo, todos capítulos finais de suas respectivas trilogias. Juntos, fizeram mais de 2 bilhões. Somados aos outros sucessos lançados no primeiro semestre, Harry Potter e a ordem da fênix, 300 e Transformers, respondem por mais da metade da arrecadação do ano passado. É amigo, isso em apenas seis filmes.

Os efeitos desta avalanche bilionária foram facilmente sentidos por quem gosta de cinema. Produções mais modestas, de cunho artístico, ficaram relegadas a circuitos extremamente restritos, pois praticamente todas as salas estavam reservadas às superproduções norte-americanas. Se você mora no interior, provavelmente ainda não conferiu filmaços como Maria Antonieta, O homem duplo, O Hospedeiro ou os brasileiros O cheiro do ralo e O céu de Suely. Longas que simplesmente não entraram em cartaz nestas cidades. Entretanto, mesmo os moradores das grandes capitais também têm do que reclamar. Esse tipo de filme geralmente fica em cartaz por apenas duas semanas, e em uma única sala. É a lógica do capitalismo, grande oferta para grande procura.

Política que gera um curioso fenômeno: a migração de cinéfilos, que deixam as filas de cinema para ocupar os saguões das locadoras (quando não sedem a tentação da pirataria). Alguns títulos geram listas de espera de semanas para serem alugados. E ao julgar pelos lançamentos previstos para o próximo ano, o quadro não deve sofrer alterações. Quem quiser ver um filme mais intimista na tela grande terá que juntar dinheiro para comprar uma boa TV de plasma. Comemoram os executivos; do cinema, dos eletrodomésticos e da pipoca, é claro!

sábado, julho 21, 2007

Cinema

Com os ingredientes certos


Alguém duvida que vencerá o Oscar?

Ratatoille vai ganhar o Oscar de animação deste ano”. Fiz essa afirmação meses atrás, quando tudo o que tinha vista do novo longa da Pixar eram alguns pôsters e um teaser meia-boca. Como explicar então minha convicção? Simples! Uma simples frase estampada no canto daqueles pôsters: “Dirigido por Brad Bird”. Ele mesmo, o gênio por trás de duas verdadeiras obras-primas da animação, O gigante de ferro e Os Incríveis.

Quando você passa a gostar muito de cinema e se dedica a assistir diversos filmes, invariavelmente você acaba entendendo um pouco do assunto. Basta assistir a um filme de determinado diretor para saber se o cara tem talento e merece ter a carreira acompanhada. Raramente há exceções, e Brad Bird, felizmente, não é uma delas. Quando fui ao cinema assistir Os Incríveis, esperava ver apenas mais uma boa animação realizada pela Pixar,e me deparei com um dos melhores longas daquele ano em todos os sentidos, desde o desenvolvimento dos personagens e suas motivações, até a belíssima trilha sonora.

Percebi que Bird domina a linguagem cinematográfica. Não se atêm a algumas convenções que limitam o gênero da animação. Os Incríveis pode muito bem se entendido pela criançada, mas passa longe de ser um filme apreciável apenas pelos pequenos. O mesmo acontecia com O gigante de ferro, longa que assisti em vídeo. A fórmula de Bird é semelhante a de outros cineastas criativos, artistas que unem diversas influências sob um elo forte e consistente, capaz de fornecer uma roupagem moderna para temas abordados anteriormente diversas vezes. É o caso da Guerra-fria em O gigante de ferro, ou da temática dos super-heróis, atualizada para a burocracia contemporânea em Os Incríveis.

Para Ratatoille, filme sobre um ratinho que sonha em se tornar cheff em um importante restaurante francês, Bird sabia que, com o perdão do trocadilho, a receita não podia ser mudada. Aqui ele resgata o melhor do universo cartunesco de Tom e Jerry (talvez o melhor desenho já produzido) modernizando tudo para contar uma fábula sobre o valor dos sonhos e a importância de perseguí-los, por mais improváveis que sejam, como um rato, animal tido como asqueroso, tornar-se o melhor cheff da França.

No making-off de Os incríveis, Bird revela que seu lema de trabalho é “usar todo o búfalo”, em referência aos índios, que aproveitam carne, couro, chifres e ossos deste animal após abatê-lo. Ao assistir Ratatoille é fácil perceber que o cineasta não utiliza esse ideal como frase de efeito aos moldes dos guias de auto-ajuda. Cada cena é parte fundamental do projeto e, se ora a narrativa explora o melhor das perseguições a lá gato e rato, em outro momento pode dar lugar a um inspirado monólogo sobre o valor da crítica perante realizações concretas. Pois bem, depois de duas horas de projeção mantenho minha previsão para o Oscar, agora com uma certeza quase inabalável, pois, para Ratatoille não vencer, teremos que nos deparar com um filme que será, no máximo, tão bom quanto ele.

sábado, julho 07, 2007

Cinema

Maior e melhor

"Mas o filme não era do Quarteto?"

Como acontece em qualquer área de atuação profissional, Hollywood apresenta profissionais de todos os tipos. Há os diretores visionários, como David Fincher; os criativos, Tarantino é um deles; os canastrões (alguém aí disse Michael Bay?); os capitalistas, filão onde George Lucas é o expoente máximo. Entretanto, Tim Story, diretor de O Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado parece inaugurar uma nova categoria, a dos diretores sortudos.

Que Story não é um cineasta de mão cheia é fácil notar em suas películas anteriores, o tenebroso Táxi e o meia-boca Quarteto Fantástico. Entretanto, neste último já é fácil notar que o diretor nasceu virado pra lua. Mesmo sem possuir noção alguma de enquadramentos e com uma visão extremamente brega para um filme de ação, ali, o diretor colocava a mão em alguns dos mais carismáticos personagens já criados. A família composta pelo Sr. Fantástico, Mulher Invisível, Coisa e Tocha Humana também ganhou atores dedicados, capazes de trazer alguma graça para um filme de roteiro débil, muito mais parecido com uma sitcom vespertina que um pipocão hollywoodiano.

Este carisma acabou garantindo a expressiva quantia de 400 milhões de dólares em bilheteria mundo afora e, é claro, uma continuação. Atento às críticas dos fãs dos quadrinhos, que não foram poucas, Story amadureceu seu estilo (!?) de direção, tornando a nova aventura dos heróis de Stan Lee infinitamente superior a primeira, com cara de cinema e o mais impressionante, bom cinema, pelo menos para os padrões dos blockbusters.

Para a nova empreitada, Story novamente foi abençoada com a lufada de sorte que o ajudou no longa inicial. Ela atende pelo nome de Surfista Prateado, outro personagem fascinante, de apelo visual incrível, que garante as excelentes cenas de ação que faltaram na primeira fita. O Surfista rouba a cena cada vez que aparece e mostra que os efeitos especiais da atualidade só encontram limites na falta de imaginação de alguns diretores. Não foi o caso de Story, pelo menos desta vez (seria o mérito apenas da equipe de efeitos?). Vale destacar também a performance do mímico Doug Jones, que conferiu vida e muita personalidade ao personagem.

Além disso, o elenco composto por Chris Evans (Johnny Storm), Ian Gruffud (Reed Richards), Michael Chiklis (Bem Grinn) e Jessica Alba (Sue Storm) está mais afiado desta vez, grantindo a graça das incontáveis piadas da produção. A química entre os protagonistas torna uma continuação que parecia fadada ou ridículo em um dos melhores filmes da temporada de arrasa quarteirões norte-americanos. É a prova da teoria levantada por Woddy Allen no excelente Match Point: "um lance de sorte pode determinar toda uma existência". Ou alguém duvida que ainda iremos ouvir muito sobre Tim Story?


Química entre o elenco é, novamente, o trunfo do filme.

sábado, junho 16, 2007

Televisão

Cinema em doses homeopáticas


Já bolou sua teoria sobre o final de Lost?


Nem só de cinema vive um bom cinéfilo, pelo menos neste início de século XXI, repleto de alternativas ao bom pipocão. Com produções cada vez mais competentes, a telinha da TV tem deixado muito executivo de cinema de cabelo em pé. Já é grande o número de séries que desbancam poderosos Blockbusters na preferência do público e na linha de produtos licenciados. A qualidade de algumas produções rivaliza com caprichados filmes de Hollywood, atores de renome se aventuram pela empreitada e os recursos limitados da televisão já não são mais tão “limitados” assim.

Com a ascensão do formato digital, os limites para a imaginação dos roteiristas de TV ganharam novos patamares. Já é possível realizar quase tudo também na telinha, o que tem atraído o olhar de talentosos diretores que utilizam a televisão como passaporte de entrada para o cinema. O resultado disso tudo é a melhor safra de seriados da história da TV americana. Separo alguns destaques:

Ação:
Aqui não dá para fugir do óbvio. Lost e Heroes ainda não encontram adversários em suas fórmulas egressas do cinema e dos quadrinhos. Embora não sejam centradas em idéias particularmente novas, ambas só puderam ser produzidas com um mínimo grau de qualidade graças à nova realidade das produções televisivas.

Como ponto fraco a primeira possui seus intervalos entre temporadas, que acabam amenizando a tensão de acompanhar o cotidiano da ilha. Nesses períodos deixamos de pensar como estarão Jack, Kate e cia. e passamos a nos preocupar com outros problemas. Talvez isso explique as seguidas quedas de audiências entre as temporadas. Já a segunda peca pela reverência excessiva às HQ’s, o que rouba a originalidade do produto, que em alguns episódios limita-se a reeditar momentos clássicos de gibis diversos.

Comédia:
Os órfãos de Sienfield podem encontrar refúgio nos inteligentíssimos episódios de My name is earl. A série que sedimenta o lugar de Jason Lee entre os grandes humoristas da atualidade é uma das mais originais dessa nova safra. As peripécias de Earl Hickle, ex-bandido que quer se redimir de seus erros do passado para limpar sua barra com o carma, não apostam em piadas esporádicas, comuns em sitcons. Aqui, a fórmula é centrada em uma ironia perspicaz, capaz de deixar qualquer um como um sorriso largo durante dias. Talvez não provoque gargalhadas, mas é inegável que trata-se de um humor muito mais elaborado e difícil de realizar.

Animação:
Com o cancelamento da série Liga da Justiça: Sem limites, o destaque fatalmente cairia para medalhões como Os Simpsons ou South Park, não fosse a genialidade dos episódios da excelente série Frango: robô. A produção do Cartoon Network satiriza ícones da cultura pop infanto-juvenil, colocando personagens como os Irmãos Mario ou Calvin e Haroldo em situações adultas dominadas por violência e sexo. Para quem não conhece, basta dizer que lembra bastante as esquetes do Casseta & Planeta baseadas em novelas, mas, ao contrário da atração global, aqui dificilmente as piadas deixam de ser originais e engraçadas.

Televisão

Um tiro n'água

A aposta era alta, e depois da fraca recepção para a microssérie A pedra do reino, fica nublado o futuro do Projeto Quadrante, idealizado pela rede Globo em parceria com o cineasta Luiz Fernando Carvalho (Lavoura Arcaica e a minissérie Hoje é dia de Maria). Ambiciosa, a idéia era adaptar para a TV o texto de quatro clássicos da literatura brasileira que fugissem da obviedade do eixo Rio-São Paulo , com os projetos filmados em suas regiões originais (embora Capitu, uma das produções, será rodada no Rio), utilizando mão-de-obra local, incluindo aí os atores .

Carvalho decidiu iniciar o projeto pela região Nordeste, escolhendo o Romance da Pedra do Reino e o príncipe do Sangue do Vai-e-volta de Ariano Suassuna, texto difícil, que o diretor preferiu levar para a tela fielmente. O resultado é um primor artístico invejável, bem superior ao trabalho de Guel Arraes em O Auto da Compadecida, que popularizava o texto de Suassuna para ganhar a simpatia do público. A Pedra do Reino é muito mais fiel ao imaginário do artista e enquadra a beleza do nordeste como poucas obras já fizeram. Apesar de tudo, a série registrou apenas um terço da audiência média do horário da emissora.

Não parecia difícil de adivinhar. A ausência de rostos globais, a estética rebuscada e, principalmente, a narrativa pouco convencional, dificilmente cairiam no gosto popular. É uma pena que a política de não fazer concessões imposta por Carvalho deva ser revista pela emissora. Triste ver que a coragem em levar um produto diferenciado para nossa TV carente de boas produções seja recompensado com o descaso.

sábado, junho 09, 2007

Cinema

Genial em série!


"Por favor senhor Homem-de-ferro, você poderia me dar seu autógrafo?"

David fincher conseguiu outra vez. O diretor de dois dos filmes mais cultuados dos anos 90 (Se7en e Clube da Luta), pegou os fãs de surpresa ao conferir uma nova abordagem para o gênero de seriais killers. Ao contrário do que a lógica poderia propor, Fincher trilha o caminho oposto de Se7en, clássico absoluto do gênero e maior sucesso comercial do cineasta, contando uma história que não objetiva analisar as motivações do assassino, mas a obsessão para desmascará-lo.

O roteiro se baseia no livro homônimo do cartunista Robert Graysmith, que relata uma série de assassinatos cometidos por um homem que denominava-se Zodíaco, além das tentativas frustradas da polícia e da imprensa em descobrir a identidade do criminoso. Até hoje, o autor da onda de crimes assombrou a Califórnia durante a década de setenta não foi descoberto , e aqui o cineasta procura não trair a realidade, sem apontar um culpado e mostrando os suspeitos sob a perspectiva dos investigadores.

Em Zodíaco, Fincher se mostra mais contido na direção, fazendo poucas experimentações com câmeras virtuais ou planos complexos (porém, quando o faz, mostra a maestria de sempre). Aqui ele prefere focar no espetacular trabalho de um elenco pra lá de talentoso. Mark Ruffalo vive o policial David Toschi, responsável pelo caso durante muitos anos; Robert Downey Jr. da vida ao jornalista Paul Awery, que cobria o caso para o jornal San Francisco Chronicle; e Jake Gyllenhaal vivendo Graysminth, a autor do livro. A obsessão em tentar resolver o caso acaba consumindo a vida de todos eles, sendo um retrato extremamente interessante sobre as motivações reais em casos como estes.

Mesmo colocando o público ao lado dos investigadores, Fincher não frustra as expectativas não apontando um culpado. Somos obrigados a tirar nossas próprias conclusões e refletir se os pequenos detalhes esquecidos pelos investigadores eram realmente suficientes para inocentar a lista de suspeitos.

Um thriller pra lá de diferente, sem dúvida nenhuma, que mostra que David Fincher é incapaz de fazer um filme ruim. E antes que alguém alegue que ele é responsável pelo terrível Alien 3, é bom saber que em uma recente entrevista a SET o cineasta revela que o estúdio aproveitou-se de seu nome. Fincher diz ter abandonado o barco sem ter filmado 30% do que vemos na tela. Talvez ele esteja apenas tentando limpar a própria barra, mas após assistir Zodíaco, fica difícil duvidar.

sexta-feira, junho 01, 2007

Cinema

Três, de fato, é demais!!!


Graças aos super-poderes de Sam Raimi, o aranha consegue se salvar...

Há 30 Star Wars inaugurava uma nova era na história do cinema. Muito mais que os efeitos especiais que marcaram época, a saga de George Lucas mudou a forma com que os executivos planejavam seus filmes. Se uma história é boa ou grande demais para ficar restrita a um único filme, o melhor a fazer é transformá-la em uma trilogia.

Embora a semente tenha sido plantada na década de setenta, o formato consolidou-se de fato no início do novo milênio, por meio de trilogias como Matrix, O Senhor dos Anéis e às adaptadas dos quadrinhos. Atores e diretores passaram a assinar contratos para três longas e, para enxugar os gastos, algumas trilogias tinham dois ou até três espisódios gravados simultaneamente. Tais projetos são em geral grandes produções, blockbusters que quase sempre estouram nas bilheterias.

O ano de 2007 veio para coroar de vez o formato. O capítulo final de três das mais rentáveis trilogias da história do cinema aportaram de uma só vez no verão americano, com intervalos de parcas semanas para garantir que o hype em torno de uma produção não roubasse algumas dezenas de milhões de dólares da outra. Homem-aranha 3, Piratas do Caribe: No fim do mundo e Shrek Terceiro são os grandes lançamentos de um ano que já ficou marcado pela alcunha de “ano dos três”.

Em comum, todos conseguiram as piores críticas dentro de suas respectivas trilogias. Homem-Aranha 3 foi o menos “malhado” pelos especialistas, com justiça. Embora a terceira aventura do aracnídeo nas telonas seja inferior as antecessoras, HA3 não deixa de ser um bom filme. Muitos reclamaram da grande profusão de vilões que povoam a trama e a superficialidade com que estes foram desenvolvidos. Tenho de confessar que concordo com a simplicidade com que Sam Raimi conduz o roteiro. Ele não perde tempo tentando explicar o inexplicável (ou alguém acha que existe embasamento científico qualquer que torne crível um homem se transformara em areia viva?). A simplicidade das origens de Venom e do Homem-Areia contribuem para que o diretor desenvolva melhor a personalidade de Peter Parker e seus relacionamentos com Mary Jane e Harry Osborn, que inclusive ganham profundidade. Não podemos esquecer que Peter é o verdadeiro protagonista da história, embora o título teime em nos dizer o contrário.


"Alguém aqui sabe o que está acontecendo?"

Piratas do Caribe segue o caminho inverso e parece servir como atestado para a escolha de Sam Raimi. O terceiro capítulo da aventura bucaneira é muito mais complexo do que deveria (leia-se: confuso). Com uma reviravolta a cada 30 segundos, o longa em nenhum momento parece possuir um fio-condutor, mesmo o mais simples possível. Contribuem para estragar a festa a falta de carisma de Orlando Bloon, que compartilha o defeito com praticamente todo elenco, a exceção de Keira Knightley e Geoffrey Rush, como Elizabeth Swann e Capitão Barbosa respectivamente. Nem mesmo o excelente Johnny Deep consegue se salvar aqui. Se o intérprete de Jack Sparrow carregava os filmes anteriores nas costas, nesse ele perde seu característico charme de malandro para dar lugar a um excêntrico e hiperbólico palhaço. Suas artimanhas são executadas de forma gratuita, com um fim nelas mesmas. No primeiro longa Sparrow aprontava para se dar bem. Agora, ele não passa de uma alegoria para crianças.

Apenas Shrek Terceiro não estreou em terras tupiniquins, mas este carrega o estigma de ter recebido as piores críticas entre os três. Não parece injusto. O trailer da produção não consegue despertar um riso sequer e ainda apresenta piadas constrangedoras de tão ruins.

Apesar das críticas negativas, todos os filmes obtiveram excelentes aberturas nos EUA. Homem-aranha 3 inclusive conseguiu quebrar o recorde de melhor fim de semana de estréia. É uma pena que iremos lembrar o “ano dos três” muito mais pelas cifras históricas do que pela qualidade dos filmes em questão.


Não basta estar bem vestido para agradar.

sábado, abril 14, 2007

Cinema

300 horas depois


Leônidas parecido com George Bush? Não neste ângulo...

Escrevo esta crítica de 300 com um certo atraso. Praticamente todos os veículos de informação do país reservaram espaços generosos para a cobertura do longa, fisgados pela curiosidade popular em torno da presença de Rodrigo Santoro na produção, na pele do vilão (!?) Xerxes. Desta forma, minha resenha acabou desprovida do frescor das notícias quentes, pois quase tudo o que havia para ser dito da produção foi difundido aos quatro ventos. Para compensar, o tempo extra possibilitou-me fazer uma análise mais profunda sobre toda a falação em torno do longa.

Um dos aspectos que mais chamou atenção foi o grandioso esquema de marketing montado para a divulgação. É bem verdade que esse acabou “hiperbolizado” para o contexto brasileiro devido à escalação de Santoro. O ator motivou a Warner Brothers a realizar o lançamento do longa na América Latina em território tupiniquim, algo inédito para um lançamento deste porte. Antes, o México era o endereço certo deste tipo de evento.

A presença do elenco e do diretor Zack Snyder no Brasil durante a semana de lançamento proporcionou capas de revistas e matérias em telejornais, mesmo nos veículos que geralmente não oferecem destaque para o universo cinematográfico. Boa parte deles estavam interessados apenas em relatos sobre fofocas dos bastidores de Hollywood. Quando abordavam temas sobre o filme em si, a criatividade era freada pelas mesmas perguntas, sempre sobre o processo de treinamento, a adptação ao figurino e a atuação no fundo verde, com raras exceções.

Mas a febre em torno de 300 também foi ajudada pelo polêmico manifesto realizado pelo presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad, que baniu o longa daquele país, acusando-o de ser uma “propaganda pró-Bush” devido a visão dado ao povo persa, em alguns momentos retratado como bestas imbecis. De fato o filme faz uma leitura pouco amistosa dos mesmos, mas atribuir isso a um discurso pró-Bush parece mais uma tentativa desesperada de um presidente cujo país atravessa severas dificuldades com a comunidade internacional. Em suma, Ahmadinejad aproveita qualquer situação para chamar a atenção do mundo, tentando assim, impedir as represálias dos EUA ao programa nuclear iraniano.

Tanto é que as declarações de Ahmadinejad trouxeram ainda mais holofotes da mídia para o longa, figurando a produção em editorias de política e atualidades. Poucos foram os que se deram conta de que o filmes é uma adaptação fidelíssima à HQ escrita por Frank Miller em 1999, portanto, antes da era Bush (Jr.). Aqueles que mencionaram o fato geralmente o fizeram de forma pejorativa, o que prova que o preconceito em torno dos quadrinhos resiste firme e forte na cabeça de boa parte dos chamados “formadores de opinião” brasileiros.

Apesar de ser fundamentado em eventos históricos, 300 em nenhum momento pretende servir como versão oficial dos fatos. Se Heródoto realizou uma obra histórica calcada na ficção, Miller optou pelo caminho oposto, nos entregando uma tradicional história de super-heróis, onde os Espartanos representam o papel de soldados perfeitos lutando contra a ameaça a liberdade. Não devemos enteder a produção de outra forma. É diversão acima de tudo, e duvido muito que qualquer pessoa em sã consciência possa traçar um paralelo entre o Leônidas heróico visto no filme, com o desprezível presidente americano.

Visualmente, o longa transpõe a HQ para as telonas, por meio de um processo semelhante ao utilizado para filmar Sin City, outra obra de Miller. Aqui volto ao tema da divulgação do filme. Interessante notar que quando anunciado, 300 parecia ser um filme que se aproveitaria do sucesso de Sin City. O elenco não era tão estrelado; Zack Snyder, embora talentoso, não tinha o renome de Robert Rodriguez ou Quentin Tarantino; a própria HQ não era tão difundida quanto Sin City. As coisas mudaram com o lançamento do primeiro trailer. O visual fantástico transformou a prévia em um arquivo viral, propagado exaustivamente pela Web. “Foi o Serpentes a Bordo que deu certo” afirmou Snyder sabiamente, referindo-se ao filme de Samuel L. Jackson, que foi sustentado pelo apoio dos fãs na Internet, mas acabou naufragando nas bilheterias por tratar-se de uma verdadeira “bomba”. Devido a rápida difusão boca-a-boca, a Warner percebeu o potencial de seu produto e tratou de inundar a maioria dos filmes do ano com diversos trailers de 300.

Snyder provou para Hollywood que é possível fazer um filme com censura 17 anos obter sucesso nos EUA. Para isso, bastam qualidade e uma propaganda inteligente e eficiente, capaz de vender o "produto" junto ao seu público. O sucesso do longa deve atrair os estúdios para este novo esquema, que prevê orçamentos menores e retorno certo graças aos nichos de mercado. Quem diria que a pioneira Hollywood demoraria tanto para adotar o famoso esquema de segmentação de mercado?

quarta-feira, março 28, 2007

Cinema

Cheiro de sucesso


Iria colocar uma foto da Bunda, mas poderia ser mal interpretado...

Após dois bem sucedidos filmes, Heitor Dhalia pode ser colocado no rol de maiores promessas do cinema brasileiro. Em seu primeiro longa, Nina, ele mostrou-se capaz de adaptar um texto clássico como Crime e castigo de Dostoievski, com coragem para inserir toques pessoais ao projeto. Já em O cheiro do ralo, fica evidente o amadurecimento do diretor, algo irônico, visto que neste ele trilhou o caminho oposto.

Em seu novo filme, Dhalia opta por uma adaptação praticamente literal da obra de Lourenço Mutarelli. Quem conhece o livro só sentirá falta da subtrama envolvendo a mocinha do relógio, e uma ou outra sacada que precisou ficar de fora. No mais, está tudo na tela, exatamente como no livro, o que resulta em um dos filmes mais criativos e interessantes da nova safra do cinema nacional. Com um projeto de tamanha qualidade, até seria possível promover o diretor do status de promessa para autor consolidado, mas dois fatores me obrigam a manter a cautela.

O primeiro é o próprio texto original de Mutarelli, de caráter extremamente cinematográfico e, sobretudo, tão genial, que façanha mesmo teria sido se Dhalia tivesse feito um filme ruim. O outro responde pelo nome de Selton Mello. O ator vive Lourenço, protagonista da história, de maneira irretocável, conferindo inexplicável carisma àquela que deveria ser a mais odiosa das criaturas, um sujeito que não gosta de ninguém e sobrevive tirando proveito dos outros.

Lourenço ganha a vida comprando as mais diversas coisas para depois revendê-las por um preço maior. Para se dar bem, ele precisa ser frio o bastante para oferecer o menor valor possível. Dificilmente ele perde o controle, exceto pelo insuportável cheiro do ralo do banheiro de seu escritório, que o deixa nervoso e confuso, a ponto de constatar que tal odor era uma extensão dele próprio ou, talvez, do inferno. O terrível descaso com sua noiva e com as “vítimas” de seu emprego atestam o fato de que apenas um sujeito tão detestável poderia exalar tal fragrância.

Ironicamente, Lourenço acaba encontrando redenção no amor. Mas não em uma paixão qualquer, visto que seu objeto de adoração é uma bunda, e tão somente ela, não restando carinho algum pela “proprietária” do derrière. A felicidade de Lourenço agora depende da posse de seu objeto de desejo, que ele pretende conquistar da mesma forma com que ele adquire os pertences com quais ganha a vida.

Com um roteiro como este, fica impossível filmar algo pouco original, mas Dhalia consegue ir além ao conferir um excelente visual para o longa, por meio de uma estético urbana e estéril, onde nenhuma cena acontece em locais abertos, mostrando um universo sempre fechado por paredes ou muros. E para completar o ambiente angustiante, o diretor confere uma edição ágil tal qual a do livro, nos aproximando da rotina desumana e, infelizmente, tão comum nas grandes cidades atuais. Dhalia merece ainda mais aplausos por ter rodado o filme de forma tecnicamente impecável, com parcos 330 mil reais.

Além da direção, do roteiro e de Selton Mello, O cheiro do ralo é marcado por outras gratas performances. Eva Braun não decepciona no papel da garçonete e de seu alter-ego, a Bunda. Como a primeira é uma divertida moça simples da cidade grande, trabalhadora e alienada , que acaba afeiçoando-se pelo admirador da segunda, esta exibida e despudorada. Destaque também para a viciada vivida por Silvia Lourenço, que consegue ser mais tresloucada que o personagem principal. E Lourenço Mutarelli como o segurança, grande surpresa do filme, destacando-se em ótima atuação. Quem o vê em cena mal pode acreditar que se trata do autor, figura geralmente tímida em entrevistas e aparições na TV. Tomara que Dhalia consolide sua carreira como cineasta em sua próxima empreitada e que Lourenço Mutarelli não fique longe das telas por muito tempo, seja como roteirista ou mesmo como ator.

segunda-feira, março 19, 2007

Cinema

A rainha é pop!


Após vaias, Maria Antonieta segue a passos largos para tornar-se cult.

“Era uma vez uma jovem princesa de um reino que não andava lá muito bem das pernas. Para recuperar a relevância dos bons tempos, nada melhor arranjar um casamento com o melhor partido entre os príncipes dos reinos restantes. Mamãe, a rainha, cuidou de todos os detalhes. Logo a princesinha já desfilava no enorme palácio como futura rainha. A majestade não demorou. O problema é que, como disse Lord Acton, “O poder tende a corromper”, e a princesinha transformou-se numa verdadeira bruxa, castigando seu povo sem dó ou piedade. Mas essa história precisava de um final “feliz”. Para tanto o povo se revoltou e tirou a coroa da megera. Como não queriam correr nenhum risco, aproveitaram e também separam a cabeça do pescoço da moça, para assim viverem felizes para sempre”.

É mais ou menos assim que os livros de história nos apresentam à Maria Antonieta, princesa da Áustria que acabou sendo a última monarca da França. Um retrato próximo ao das vilãs saídas de contos-de-fadas, que acabou por enraizar no inconsciente popular, sendo raramente contestado. Sofia Coppola é a mais nova tripulante a remar contra a maré. Em Maria Antonieta, seu terceiro longa, a menina-prodígio nos apresenta uma versão simpática à rainha, quase colocando-a como vítima. Obviamente, os franceses odiaram.

É claro que Sofia tinha conhecimento do vespeiro em que ela colocou as mãos, mas provavelmente não imaginava que as ferroadas seriam tão doloridas. Maria Antonieta foi vaiado em Cannes e acabou obrigado a enfrentar uma verdadeira campanha negativa, promovida por meio do empenho de críticos franceses. O impacto foi tão negativo que o longa já nasceu fadado ao fracasso de bilheterias. Mas, após uma gelada recepção em sua estréia nos Estados Unidos (o que fez a distribuidora cogitar lança-lo diretamente em DVD por aqui) o longa aos poucos se recuperou, ganhou força no meio cinéfilo e agora caminha para tornar-se “cult”.

Nada mais justo, afinal, as vaias em Cannes foram muito mais em repúdio a postura da cineasta do que pela qualidade do filme em si. Maria Antonieta é um típico filme de Sofia Coppola, o que significa dizer que ele se encontra na crista da onda do cinema contemporâneo. Apesar de falar sobre a realeza do século XVIII, a diretora não abriu mão do vocabulário “pop” que conquistou a simpatia de milhões de jovens admiradores de cinema.

Podem ser contados nos dedos o número de cineastas donos de uma narrativa tão moderna quanto a da diretora. Em Maria Antonieta, Sofia mais uma vez faz largo uso de elipses temporais, diálogos mudos (ela sabe tirar significado do simples olhar de seus atores como poucos), e grandes seqüências desdramatizadas. Kirsten Dunst se entrega completamente ao papel principal e confere um ar adolescente à protagonista, equilibrando com perfeição a petulância e inocência que caracterizam esta fase da vida. Já Jason Schwartzman rouba a cena como o Rei Luís XVI, marido pouco presente, imaturo e sem nenhum tino para as mulheres. Sua timidez (ou seria descaso?) é tão grande que ele só “consuma” o matrimônio depois de transcorridos cinco anos. E como é genial a suposta fonte de “inspiração” que Sofia atribui ao personagem para que ele tome essa iniciativa.

Também é impossível não destacar o belíssimo trabalho de fotografia de Lance Acord para o longa. Fugindo da pompa que em geral domina os filmes de época, Acord entrega um trabalho limpo e luminoso, claramente inspirado na escola pop arte. Aliás, recentemente Sofia declarou que uma de suas primeiras memórias da infância é de estar sentada no colo da Andy Warhol, quando este visitava o clã Coppola. Com certeza ele foi uma inspiração para Acord! E como não destacar a polêmica trilha sonora calcada em sucessos do new romantic oitentista. O pop de Strokes, Siuxsie e Bow Wow How não apenas conferem charme à produção, mas completam a comparação de Sofia entre a juventude daqueles dias e a da atualidade.

Maria Antonieta fala, portanto, sobre o tema preferido da diretora: a dificuldade em deixar a juventude e entrar na vida adulta. Os percalços da carreira, que começou em uma mal sucedida investida como atriz, bancada pelo papai Francis Ford, tornam o discurso da cineasta pra lá de autêntico. Detratores taxam-na vazia em conteúdo. Bobagem. Não é desmérito algum de Sofia o fato de seus filmes reflitirem tão perfeitamente as aflições da atual juventude com o mundo em que viemos. Certamente irão pintá-la como uma bruxa, mas felizmente, ela tem mais gente para protegê-la do que sua cinebiografada.

domingo, março 11, 2007

Cinema

Motoqueiro sem rumo


Motoqueiro Fantasma se salva graças aos bons efeitos visuais.

Os primeiros resultados das bilheterias americanas em 2007 comprovam: os quadrinhos tomaram Hollywood de assalto e parecem ter vindo para ficar. As duas melhores estréias do ano até agora pertencem exatamente as duas adaptações da nona arte, Motoqueiro Fantasma e 300. Com tantos personagens disponíveis em um número quase igual de editoras até o analista mais pessimista deve concordar que esta é uma fonte que ainda vai demorar a secar.

A Marvel, maior editora de quadrinhos dos EUA, desponta, naturalmente, como a mais importante fonte de material para o gênero. Após o sucesso gigantesco dos grandes carros chefes da empresa (X-MEN, Homem-Aranha e Quarteto Fantástico) os produtores americanos perceberam que a simples inserção de da logomarca “Marvel” no início de uma produção cinematográfico significa retorno certo, além de uma quase infalível probabilidade de grandes lucros.

Ávidos para explorarem esta mina de ouro, empresários do setor passaram a olhar com bons olhos para personagens de segundo escalão da editora. Um dos primeiros a enxergar potencial nesses personagens menos populares foi o diretor publicitário Mark Steven Johnson, que fez o seu debut no cinema ao levar as aventuras do herói cego Demolidor para as telonas. O filme obteve um razoável sucesso nas bilheterias, mas foi mal visto pela grande maioria dos fãs do herói, considerado dono de algumas das mais memoráveis mitologias da editora.

O sucesso de Demolidor abriu as portas para que o diretor/produtor trabalhasse em uma continuação, agora focada na ninja Elektra, ex-namorada do herói. Desta vez Steven Johnson não conseguiu um retorno financeiro tão positivo, apenas equilibrando os ganhos ao custo da produção. Mas o pior foi a reação de ódio dos fãs ao filme, graças ao direcionamento adolescente que a película recebeu, contrastando com a origem profundamente violenta da personagem.

Steven Johnson deu um jeito de se esquivar das críticas. Culpou a FOX, empresa parceira da Marvel em ambos os projetos, alegando que o estúdio foi responsável pelas mudanças, objetivando aumentar os lucros. Para atestar esta teoria o diretor lançou uma versão do diretor de Demolidor com meia hora a mais projeção, que não chegam a salvar o longa, mas inegavelmente, melhoram o resultado final.

Em paz com os fãs, Johnson aproveitou o crédito obtido com o sucesso de Demolidor - versão do diretor para obter carta branca da Marvel e mexer com mais um herói de menor status da editora. O escolhido da vez foi o Motoqueiro Fantasma, um herói mais conhecido pelo visual heavy metal impactante do que pela qualidade de suas histórias.

E é aí que reside o problema. Ao adaptar Demolidor e Elektra Johnson teve a sua disposição um enorme acervo de ótimas histórias e, mesmo assim, não obteve um resultado satisfatório. Já para Motoqueiro Fantasma, personagem marcado por aventuras irregulares, o quadro era muito menos animador.

A história não sofreu grandes alterações desta vez, mas são necessários poços minutos de projeção para descobrir que a decepção anunciada tinha fundamento. Calcado em uma mitologia permeada por demônios e criaturas bizarras, chega a ser constrangedor constatar que os vilões do longa são incapazes de provocar um único arrepio durante toda a projeção. Certamente eles se borrariam de medo caso fossem enclausurados por poucos minutos em qualquer penitenciária brasileira.

Apesar de tantas falhas, o longa não chega a ser um desastre completo. Merece destaque a atuação de Nicolas Cage como Johnny Blaze/Motoqueiro Fantasma, que após inúmeras tentativas, finalmente consegue realizar o sonho de interpretar um herói dos quadrinhos. Sua postura canastrona (até certo ponto blasé) conferem um certo charme ao personagem e garantem duas ou três risadas. Sam Elliot e outro que garante bons momentos na pele de um cowboy fantasma, antigo detentor do manto do Motoqueiro; e Peter Fonda, como Mefisto, demônio que engana Blaze e o faz assinar o contrato que o transforma no anti-herói flamejante.

Mas quem rouba a cena mesmo é Eva Mendes, vivendo a jornalista Roxxane Simpson, a mocinha “boazuda” da vez. Um papel extremamente vazio, que não deixa espaços para vôos dramáticos maiores do que aparecer com um generoso decote a cada dois minutos. Mesmo assim, a moça cumpre o papel com perfeição, arrancando suspiros da platéia masculina a cada aparição, o que eleva o nível de testosterona no recinto a patamares geralmente reservados a filmes destinados a maiores de idade. Uma pena que tal “performance” seria muito mais apreciada em alguma revista masculina. Mas pior mesmo é pensar que Motoqueiro Fantasma pode ter uma continuação devido ao bom desempenho financeiro. Ou talvez pensar que Mark Steven Johnson pode continuar adaptando super-heróis... Isso sim é assustador.

quinta-feira, março 01, 2007

Cinema

Wa Wa We Waa


Muita gente vai querer pegar uma carona no sucesso de Borat

É indiscutível: Borat é o maior fenômeno cinematográfico desde a trilogia O Senhor dos Anéis. O personagem de Sacha Baron Coen está na boca do povo, basta abrir os jornais para vê-lo fazendo graças. E estas não mais se limitam ao caderno de cinema. Borat faz incursões pela seção política, páginas de informática (ele foi fenômeno no YouTube) além de fazer a alegria de chargistas de plantão. Baron Coen deixou de ser cult. É ícone pop.

Embora sejam exagerados os rótulos de “filme mais engraçado de todos os tempos”, é difícil encontrar alguma produção recente que possa rivalizar com a jornada do repórter cazaque em matéria de humor. Borat – O segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão viaja à América, é um falso documentário, e seu protagonista aproveita a alienação e o preconceito dos norte-americanos para destilar a melhor crítica ao american way of life perpetuada durante a administração Bush. Borat e seu produtor Azamat Bagatov (Ken Davitian) são os únicos personagens fictícios do longa, interagindo com pessoas reais, que realmente acreditavam participar de um documentário “sério”, produzido para ser exibido no Cazaquistão.

A jornada de nosso herói começa quando o governo do Cazaquistão, país mostrado como uma nação extremamente atrasada, decide enviar Borat à América para aprender costumes que possam ajudar no progresso do “glorioso país Cazaquistão”. O personagem de Baron Coen, por sua vez, não poderia ser mais caricato. Suas atitudes bárbaras, como lavar o rosto no vaso sanitário ou guardar suas fezes em um saco plástico são pra lá de inverossímeis, exceto para quem realmente acredita que estes são hábitos comuns no Cazaquistão. Com o sucesso dos trailers na Internet o governo cazaque se apressou para desmentir as alegações de Borat, o que gerou ainda mais publicidade parar o longa. Mas se Baron Coen era tido como inimigo número um do país pouco antes da estréia de Borat, hoje sua criação é bem quista no país, graças ao aumento do turismo proporcionado pelo longa.

A sorte de Baron Coen é que boa parte dos americanos caiu como patinhos em suas piadas e citações anti-semitas. Alguns se colocaram de prontidão para tentar “civilizar” o pobre imigrante culturalmente inferior e ajudar no progresso do Cazaquistão. É impressionante notar que os americanos realmente acreditam estar num patamar superior ao restante da humanidade.

Também ajuda a simpatia que Coen confere à sua criação. Borat é dono de uma ingenuidade pra lá de cativante, o que possibilita que a maioria das pessoas levem na esportiva as brincadeiras do ator, pois consideram que ele não sabe ao certo o que diz. Tudo fica melhor quando o exacerbado anti-semitismo, homofobismo e machismo do personagem encontram eco em seus entrevistados, provando o quanto os americanos são parecidos com aquele sujeito de modos tão “atrasados”. Em um momento Borat diz que no Cazaquistão todos os homossexuais são condenados a morte, sendo de pronto respondido por um sulista típico: “estamos tentando isto aqui também”.

Apesar dos melhores momentos do longa estarem na interação entre Borat e suas “vítimas”, Coen prova ser um humorista de raro talento também para o humor tradicional ao conferir uma trama linear para a narrativa. Apaixonado pela figura de Pamela Anderson, “uma mulher diferente de tudo que existe no Cazaquistão”, Borat cruza a América na esperança de torná-la sua esposa. O plot, apesar da simplicidade, garante espontaneidade ao longa, justificando entrevistas e encontros pelo país. O comediante também mostra talento para desferir piadas escatológicas, uma atrás da outra, ajudado por Azamat. A química dos dois em cena é fantástica, e o contraste entre o improviso que Coen faz durante suas entrevistas e a mise-en-scène das cenas só aumenta a graça de toda a piada. Destaque para a luta que ambos protagonizam no hotel, completamente nus. Engraçadíssimo.

Além de fazer rir, Borat consegue atestar uma teoria que a muito tempo defendo: mesmo os improvisos devem ser planejados. Explico. Coen fez diversas pesquisas antes de sair as ruas, testou o personagem em seu programa de TV The Ali Show, e por fim tentou prever todas as respostas possíveis para cada uma de suas gracinhas, visando nunca perder a espontaneidade. Além do empenho neste método, também deve ser louvada a imerção do ator no personagem. Mesmo nas situações mais difíceis, como as diversas vezes em que acaba preso, Coen nunca abandona o personagem. Inclusive, são nestes momentos de aperto que surgem algumas das melhores piadas do longa.

Infelizmente, graças a febre em que se transformou, Borat provavelmente nunca mais poderá realizar suas entrevistas. A máscara de Coen caiu, e agora é preciso recorrer a outras criações. É o caso do repórter de moda Brüno, que logo deve alcançar a telona. Tomara que o mundo da moda seja tão engraçado quanto a América de Bush.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Cinema

Ressaca do Oscar


Tão enfático quanto José Wilker...

Desta vez resolvi inovar e postei uma análise em vídeo da 79ª premiação do Oscar. Não deixem de comentar!!!

ERRATA: Babel venceu sim um Oscar. O longa de Iñarritu foi premiado com a estatueta de melhor trilha sonora. Desculpem-me pelo deslize!

sábado, fevereiro 24, 2007

Cinema

Agente duplo


Clint Eastwood dirige japoneses em "Cartas de Iwo Jima"...

Pra mim é difícil falar de Clint Eastwood sem ser parcial. Não chego a considerá-lo um de meus diretores favoritos, mas tenho o velho caubói como um modelo de conduta com relação aos seus projetos. Aos 76 anos de idade, Clint continua firme, emendando um bom lançamento atrás do outro, passando longe dos dois maiores males que podem acometer um artista: a preguiça e o ego.

Com mais de trinta anos de carreira e dois Oscars de melhor diretor, Eastwood poderia facilmente ter sido tomado pela soberba que domina tantos diretores. M. Night Shyamalan, Tim Burton e até Martin Scorsese são exemplos de diretores talentosos que já fizeram filmes com ares de alto-indulgência. Clint, por sua vez, prefere contiuar falando sobre assuntos mais próximos de sua personalidade, utilizando sua habitual narrativa detalhista. O que impressiona é ver que apesar de manter uma fórmula, o diretor não costuma se repetir.

Quanto à preguiça, os últimos trabalhos do diretor são a prova definitiva que ela passa longe de sua rotina. Clint resolveu estrear no gênero da guerra, famoso pela complexidade técnica, mas ele não se deixou intimidar, e resolveu filmar não apenas um filme, mas dois, contando a história da batalha de Iwo Jima sobre as perspectivas dos dois lados envolvidos, americanos (A conquista da honra) e japonês (Cartas de Iwo Jima). O diretor soube contornar a questão de sua nacionalidade e evitou o maniqueísmo habitual de filmes do estilo. O resultado é pra lá de satisfatório.

Isolados, A conquista da honra e Cartas de Iwo Jima são grandes filmes, com uma ligeira vantagem para o segundo, mas juntos, ganham ares de tratado anti-belicista. O primeiro fala sobre a história da famosa foto onde soldados americanos içam sua bandeira no alto do monte Iwo Jima, registro que ajudou a mudar o curso da guerra. Naqueles tempos os EUA estavam praticamente sem recursos para manter a gigantesca iniciativa de guerra, e a população do país já estava farta do combate. Graças a essa foto, estampada na capa de todos os jornais americanos, os estadudinenses foram tomados pelo patriotismo, e passaram a enxergar um sentido na batalha.

O governo percebe neste novo sentimento uma oportunidade para conseguir fundos para continuar com força total na investida contra o Japão. Um gigantesco esquema de publicidade é montado em cima do evento, distorcendo fatos em nome de uma versão mais emblemática para o público. Os sobreviventes presentes na foto são convocados de volta aos EUA para servirem de garotos propaganda para venda de títulos para a guerra.

Cartas de Iwo Jima se concentra na preparação das tropas japonesas para se defender do iminente ataque americano. Conscientes da grande desvantagem numérica, a maioria dos soldados vê o combate como uma forma de morrer honrosamente. Não é o caso do general Tadamichi Kuribayashi (Ken Watanabe), comandante das tropas. Ele acredita que suas tropas devem empregar todas as forças para segurar o inimigo pelo maior período possível, possibilitando que o restante do Japão tenha tempo para se reestruturar para as próximas batalhas. O conflito de ideologias dá o tom do filme, auxiliado pela dinâmica do relacionamento dos soldados, e do assombro dos mesmos diante de uma inevitável morte.

Aliás, analisar o comportamento humano sempre foi um dos fortes do diretor. Ambos os filmes contam com diversas cenas de combate impactantes, mas elas são apenas pano de fundo para a preocupação maior de Clint, analisar a mente dos soldados, vítimas de combates irracionais criados por burocratas engravatados, que na grande maioria das vezes, fica muito longe dos campos de batalha. Uma triste realidade que perdura até os dias de hoje. Basta olhar o esforço dos governantes para acobertar as mentiras por trás da histórica foto do primeiro filme. Qualquer semelhança com o governo Bush e sua “Guerra contra o terror” não é mera coincidência.

Vale destacar também a bela fotografia, extremamente dessaturada, deixando ambos os longas próximos do preto e branco, e da direção coesa de Eastwood, que só pecou pela grande quantidade de flashbacks em A conquista da honra (que comprometem o ritmo da produção). Ironicamente, torço para que Clint perca o Oscar nesse domingo. A noite é de Martin Scorsese. Eastwood certamente não se importará, não porque ele já ter duas estatuetas, mas pela certeza de que se continuar mantendo a postura que tanto admiro, ele ainda concorrerá para muitos outros.


... e americanos em "A conquista da honra".

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Cinema

Último assalto


Stallone aos sessenta anos. Alguém duvida que ele é o mais forte?

A arte imita a vida, e a máxima também vale para Sylvester Stallone. A trajetória do ator-diretor-roteirista-produtor se confunde com a de sua criação suprema, o boxeador Rocky Balboa. Ambos iniciaram carreiras desacreditados. Lutaram para se afirmar no show bizz, enfrentando, respectivamente, bordoadas de críticos e pugilistas. Provaram que o sucesso pode ser alcançado através de muita luta e dedicação.

Rocky - Um lutador (1976) personificava com perfeição o ideal do sonho americano. A identificação do público foi imediata. Um cara humilde, americano típico, que vencia na vida graças ao esforço e persistência com que ele perseguia seus ideais. O filme se tornou um sucesso de público e crítica, faturando até o Oscar de melhor filme em 1977, elevando Stallone, antigo ator de filmes pornográficos ao status de estrela de primeira grandeza.

Os anos que se sucederam à premiação reservaram bons frutos para a dupla. Enquanto as continuações do filme do boxeador mostravam o caminho de Rocky até o topo dos ringues, “Sly” se firmava como o grande nome dos filmes de ação dos anos 80 (ao lado de Arnold Schwarzenegger). Criador e criatura desfrutavam agora de fama, dinheiro e respeito.

A esta altura, Stallone já admitia que havia se inspirado em sua própria vida para dar luz às aventuras de Rocky. Ele só não poderia imaginar que o processo contrário pudesse acontecer quando decidiu dar mexida na fórmula. Rocky V (1990), mostrava o declínio do boxeador em um filme sofrível, que acabou tragando Stallone para o mesmo limbo que ele havia reservado para sua contraparte pugislista.

Foram anos sofríveis para a carreira do ator, que amargou um fracasso atrás do outro. Apenas um bom filme (Cop Land, 1997) e nenhum sucesso comercial. Prestes a ser relegado ao esquecimento, restou a “Sly” acenar um retorno de franquia Rocky. Porém, perto dos sessenta anos, ele não foi levado a sério.

Inicialmente, o roteiro seguiria de perto os passos do ex-pugilista George Foreman, campeão dos pesados aos cinqüenta anos de idade, após um bem sucedido regresso da aposentadoria. Foram anos tentando adequar o texto, que nunca conseguia agradar ao próprio autor. “Ele não parecia sincero”.

Era óbvia a resposta: faltava a vertente humana que Stallone sempre foi buscar em sua própria vida. A história deles se cruzava novamente, no exato ponto onde tudo começou. Desacreditados, Rocky e “Sly” poderiam partir para um round final para suas carreiras, sem vergonha de se fundirem em busca de redenção.

Rocky Balboa se torna um filme forte graças a este almágama. O discurso do pugilista, até certo ponto clichê, é tão sincero que e é capaz de comover até os mais desconfiados. Nesta última jornada, Rocky decide voltar a lutar para apagar a sombra do passado vitorioso, esquecer a dor da perda da esposa e reaproximar-se do filho. Stallone luta para recuperar o respeito perdido.

“Sly” demonstra habilidade e sensibilidade para encerrar a trajetória vencedora de Rocky. Como a carreira do artista irá continuar, nada melhor do que voltar as atenções para o resgate de outra franquia de sucesso. Rambo volta às telas em 2008, mas é uma pena que este último não tenha tanto em comum com seu criador.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Cinema

Apocalypto Now!!


Mel Gibson na direção: sinônimo de línguas exóticas e muita violência

De uns anos pra cá, muitos foram os críticos que exultaram a originalidade do cinema oriental. Não faltaram adjetivos para enaltecer as exóticas estruturas narrativas de longas como O tigre e o Dragão ou OldBoy, filmes que também ganharam o aval do público ocidental. Mas todo este frenesi acaba gerando a pergunta: o que difere aquele cinema do nosso? Seriam as experiências que estes povos vivenciam e, consequentemente, retratam em película, tão diferentes das nossas? Teriam eles realmente desenvolvido uma maneira diferente de contar histórias? Ambas as possibilidades?

Apocalypto, novo filme de Mel Gibson, pode até não abordar temas sobre a civilização oriental, mas ajuda a esclarecer a questão. O filme conta a história de Pata de Jaguar, índio pertencente a uma tribo de caçadores da América Central, que acaba sendo capturada por uma tribo maia para serem sacrificados como oferenda aos deuses, para que este providencie colheitas melhores. Durante a batalha, nosso herói consegue esconder a esposa grávida e o filho pequeno, mas acaba preso nas mãos dos agressores.

O que se vê em seguida é o mais típico filme de ação Hollywoodiano, quando Pata de Jaguar consegue escapar e passa a ser perseguido pelos seus raptores enquanto procura o esconderijo da mulher amada. Tudo acontece de forma frenética, não dando muitas oportunidades para o espectador respirar. Mesmo assim, Apocalypto é certamente um filme único, que exala frescor em sua narrativa. Mel Gibson não se preocupou em se ater aos aspectos históricos, tomando diversas liberdades criativas. Apesar disto, o longa se mostra extremamente verossímil, em boa parte por ser todo falado em iucateque, antigo dialeto maia, o que revela uma certa paixão de Gibson por línguas extintas (como visto em A paixão de Cristo, falado em aramaico) e muita coragem para realizar projetos que, não fossem a persistência e teimosia do diretor, jamais sairiam do papel.

Mas mesmo que Apocalypo fosse falado em inglês, ele ainda despontaria como uma produção atípica. Seus protagonistas não são interpretados por atores famosos e suas feições nem de longe remontam ao padrão europeizado de beleza. Rostos de pele vermelha, marcados por adereços e tatuagens, são uma atração à parte. Não deixa de ser reconfortante assistir a um longa que se dedica a apresentar um padrão de beleza tão comumente menosprezado.

A ação também ganha um contexto totalmente novo. Apesar da perseguição praticamente não possuir diálogos e transcorrer de maneira semelhante a maioria das outras perseguições já realizadas no cinema, a fuga de Pata de Jaguar se destoa das demais simplesmente porque abdica das usuais metralhadoras e rifles, para fazer uso de armar indígenas como zarabatanas, lanças e arco e flecha. Alguns utilizados de forma extremamente criativa, cativando o público.

O último diferencial que merece ser citado tem mais a ver com o fato deste filme ser dirigido por Mel Gibson do que pela abordagem da civilização maia. Novamente o diretor abusa da violência. Em nenhum momento Gibson faz concessões e nos poupa de observar degolações. crânios serem esmagados, corações arrancados, além de torturas diversas. A brutalidade também ajuda a tornar crível todo aquele ambiente. Infelizmente, o mundo real trata de nos mostrar diariamente que os seres humanos são capazes das mais diversas barbaridades.

Estou quase terminando o texto, e o leitor mais atento deve estar se remexendo na cadeira: “Ué Luis! Como este filme pode ajudar a entender a nossa fascinação pelos filmes orientais?” Apocalypto segue a estrutura habitual das histórias ocidentais, mas acaba sendo único pela pouca exposição que temas sobre a civilização maia têm em nosso dia-a-dia. Só conseguimos nos identificar com esta história porque os conceitos de família, liberdade e agressão presentes na mesma são universais na cultura humana. Portanto, se somos capazes de nos identificar com histórias de culturas tão distintas, é porque o gênero humano ainda é muito parecido. Diferentes civilizações apenas escolhem maneiras distintas de representar as mesmas idéias. Resumindo: só achamos os orientais originais porque nunca tínhamos reparado neles antes!!

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Cinema

Falta de comunicação


Apesar de desconexo, trecho japonês é o destaque de Babel.

Alejandro Gonzales Inarritu gosta mesmo de sofrimento. Todos os seus filmes têm tragédias como fio-condutor, estas desencadeiam outras, provocando uma reação em cadeia. Em Babel não é diferente. Mas agora o diretor testa sua equação de desgraças num contexto global, com a premissa de que o disparo de um rifle no Marrocos pode emitir vibrações que ressoarão na vida de pessoas por todo o globo.

Além das habituais tragédias, o filme também traz a já tradicional narrativa entrecortada presente nos filmes de Inarritu. Talvez esta tenha sido a forma do diretor mostrar como uma tragédia passa a refletir em toda nossa vida, alterando nosso futuro e mudando nossa percepção do passado. Mas se em 21 gramas a experiência de “participar” do montagem do filme se revelava fascinante, em Babel ela pouco infere sobre a trama, tamanha sua simplicidade.

Outro aspecto negativo está na própria pretensão de Inarritu de mostrar nosso mundo como uma grande aldeia global onde uma simples ação pode afetar a vida em todos os lugares. Simplesmente não funciona! Isto porque esta embora as fronteiras estejam cada vez menos nítidas e do tiro que alveja Cate Blanchet ser tratado como ato terrorista pelo governo dos EUA, as reações em cadeia não são capazes de reverbar com intensidade suficiente para fugir do círculo da família da vítima ou dos diretamente envolvidos. O diretor até tenta inserir uma ligação com uma família japonesa, mas a tragédia que esta enfrenta é totalmente singular ao restante da trama, causando ao espectador uma sensação de que esta história está literalmente “sobrando” na trama.

Inspirado pela antiga lenda da Torre de Babel, Inarritu é sábio ao mostrar que os contrastes culturais representam obstáculos muito maiores do que as fronteiras impostas pela linguagem. Personagens como o casal vivido por Brad Pitt e Cate Blanchet geralmente dispõe de um tradutor, quando não, conseguem se comunicar através de sinais. Porém, isso não garante que suas idéias sejam compreendidas. Apesar das distâncias terem diminuído com a tecnologia, o preconceito tratou de afastar ainda mais as pessoas.

A babá mexicana Amélia (vivida por Adriana Barraza) também não apresenta dificuldades para se comunicar com os filhos do casal protagonista em sua língua pátria (espanhol), uma forma de mostrar que o atualmente o idioma funciona como uma língua extra-oficial nos EUA, atestando a força e importância que os latinos têm naquele país, apesar dos esforços de alguns governantes para provar o contrário.

Curioso perceber que a linguagem se torna uma barreira tangível exatamente na subtrama envolvendo a família japonesa, que parece estar desconexa em relação às demais. Rinku Kikuchi vive Chieko, uma jovem com problemas auditivos. As dificuldade impostas pela deficiência de comunicação fazem com que a maioria das pessoas se afastem da garota, alimentando um sentimento misto de revolta e baixa auto-estima. A cena em que um pretendente interrompe o flerte ao descobrir que ela é surda talvez seja a mais impactante de todo o longa. Apesar de parecer desconexa com o restante da trama, a força desta subtrama em si acaba explicando o porque de sua inserção. É uma pena que esta tenha se dado de maneira tão gratuita. Uma solução muito melhor seria realizar um filme apenas para contar esta história.

Outro ponto forte desta seqüência é a manipulação do silêncio por parte do diretor, para partilharmos com Chieku a perspectiva de um mundo sem sons. Mas mesmo com toda esta sensibilidade, não consegui evitar a tristeza ao perceber que um deficiente auditivo não poderá compreender a mensagem que traduz suas dificuldades para o restante do mundo.

Apesar destes deslizes, Babel é um bom filme. O mais fraco da carreira de Inarritu, com certeza. Algo que pode ser relevado se lembrarmos que o restante de sua filmografia é composta pelos excelentes 21 gramas e Amores brutos. Babel até merece estar no Oscar, mas caso ganhe, como já fez no Globo de ouro, será um grande exagero.