sábado, dezembro 29, 2007

Cinema

Filme de arte


Não se deixe enganar pelo título: Goya não é o centro das atenções...

Não foram poucos os críticos que classificaram Sombras de Goya como uma nova incursão do diretor Milos Forman no rico universo criativo que move o trabalho de grandes artistas – no caso, o pintor Francisco Goya. A leitura destes – incorreta, é bom frisar – foi motivada por um insensato esforço em traçar um paralelo com um dos grandes clássicos do diretor, Amadeus, que apresenta os rompantes criativos de Wolfgang Amadeus Mozart.

O fato é que a narrativa de Sombras de Goya sequer gira em torno do pintor espanhol, e quando o faz, perde um pouco de força. Em seu novo longa, Milos Forman usa a obra de Goya como pano de fundo para tecer um interessante retrato dos jogos de poder praticados entre clero, monarquia e revolucionários republicanos entre o final do século XVIII e início do XIX, com a constatação de que pouco importa quem está no poder, o povo sempre acaba perdendo.

Inês (Natalie Portman) é uma das musas inspiradoras do trabalho de Goya (Stellan Skarsgärd). O rosto dela aparece em diversas obras do pintor espanhol, o que chama a atenção do clero, que andava descontente com a perda de poder para a monarquia e não via com bons olhos parte da produção artística do pintor. Após reabrir os porões da Inquisição, Padre Lorenzo (Javier Barden) consegue um pretexto para condenar a bela Inês às torturas impostas pela contra-reforma. Submetida às piores provações, Inês sucumbe à dor e confessa atos que não cometeu.

Goya, homem influente junto à monarquia e com contatos no clero, tenta interceder pela família de Inês, que deseja a libertação imediata da moça. Em vão. Inês fica presa durante quinze anos e sai da cadeia durante a invasão de tropas francesas. Tomada em parte pela loucura, ela nem consegue perceber o novo cenário político que emerge no país, dominado pelas forças de Napoleão. Republicanos chegam até a Espanha prometendo as melhorias da democracia e a libertação da opressão religiosa. Promessas que, por ironia do destino, são disseminadas pela mais improvável das figuras. É aí que uma nova incursão estrangeira chega ao país, e com ela, uma nova inversão de papéis acontece.


Javier Barden rouba a cena na pele do soturno Padre Lorenzo

O filme não representa uma crítica direta aos atos da Inquisição. Tampouco àqueles cometidos pelos invasores franceses ou pelos ingleses que os sucederam. Forman não faz distinção entre os lados e mostra que, apesar de rotularem-se como diametralmente opostos, seus métodos são extremamente parecidos.

Vale destacar a ótima interpretação de Javier Barden na pele do padre Lorenzo e a beleza e sensibilidade de Natalie Portman como Inês e, posteriormente, no papel de sua filha adolescente. Mas a grande força de Sombras de Goya reside na mão firme de Milos Forman. Aos 75 anos, o diretor mostra que, apesar de não ostentar o respeito que merece após uma carreira marcante, continua apaixonado pelo cinema e sua riqueza narrativa.

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