segunda-feira, dezembro 31, 2007

Cinema

É um desenho?

A lenda de Beowulf inova no campo da animação para adultos

Desde de quando vi o primeiro trailer de A lenda de Beowulf, um sentimento de desconfiança pairou sobre minha cabeça. O longa, dirigido por Robert Zemeckis, utilizaria a mesma técnica de captura de performance dos atores vista no controverso O expresso polar, do mesmo Zemeckis, famoso por ter sido o primeiro longa realizado dessa maneira. O expresso polar também ficou marcado como um filme extremamente chato, com um visual que, embora chamasse atenção, exalava artificialidade.

Por outro lado, o roteiro de A lenda de Beowulf levaria as assinaturas da dupla Roger Avary e Neil Gaiman. O primeiro é conhecido pela colaboração com Quentin Tarantino no soberbo texto de Pulp Fiction; o segundo é um famoso escritor de quadrinhos – responsável pela série Sandman – e dono de alguns best-sellers no campo da literatura fantástica. Ambos enchiam o projeto de credibilidade.

Durante o longa é fácil perceber o quanto eles foram importantes para o saldo positivo apresentado nos 113 minutos de projeção. Zemeckis já havia provado ser um diretor talentoso na trilogia De volta para o futuro. Seu A lenda de Beowulf deixa claro que tudo que ele precisa é de um texto com qualidade para emplacar uma boa aventura. Se bem que estar de posse dos avanços tecnológicos proporcionados pelos três anos que separam O expresso polar do novo projeto ajuda muito no resultado final. A lenda de Beowulf é um épico cheio de magia, como há muito não se via nas telonas, em boa parte devido ao visual único, capaz de gerar combates empolgantes com bestas marinhas, dragões e ogros gigantescos a um custo acessível, algo impensável caso o filme seguisse o processo tradicional. Em alguns momentos até nos esquecemos que estamos assistindo a uma animação (seria este o melhor rótulo para o projeto?) e poucas vezes nos deparamos com os rostos artificiais que permeiam O expresso polar.

A história é baseada em um famoso poema épico, considerado o mais antigo registro em língua inglesa, que narra os feitos de Beowulf, famoso matador de monstros que se torna rei após aceitar uma proposta do único adversário que não podia derrotar.

As interpretações de feras do gabarito de Anthony Hopkins, John Malkovitch e da belíssima Angelina Jolie consolidam a força do projeto. Todos tiveram seus movimentos e feições capturados pelo computador, sendo impossível não reconhecer seus traços nos personagens, tamanha a perfeição do processo. Chega a ser irônico que apenas o protagonista, vivido por Ray Winstone, em pouco se pareça com seu intérprete na vida real. Fica difícil enxergar o gordinho Winstone dentro da pilha de músculos que compõem o jovem herói Beowulf. Os produtores até poderiam ter optado por outro nome, mas a imagem de bardo falastrão de Winstone o torna perfeito para o papel. Ele ainda serve como prova de que a tecnologia pode abrir novas portas para atores estigmatizados para certos papéis e personagens. Imaginem o franzino Steve Busceni ou então Woddy Allen na pele de um poderoso guerreiro medieval ao maior Arnold Schwarzenegger!

Winstone gostou da brincadeira. O visual saradíssimo conseguiu empolgar até mesmo sua esposa. Já Angelina Jolie confessou ter ficado um tanto “tímida” ao se ver nua no projeto que julgava apropriado para seus filhos pequenos. Não que a senhora Pitt tenha reprovado o que viu. O problema é que o resultado ficou muito próximo da realidade. Quem diria que um dia Angelina Jolie ficaria constrangida em expor sua intimidade em uma animação...



A parafernália responsável pela técnica caiu bem em Angelina Jolie

sábado, dezembro 29, 2007

Cinema

Filme de arte


Não se deixe enganar pelo título: Goya não é o centro das atenções...

Não foram poucos os críticos que classificaram Sombras de Goya como uma nova incursão do diretor Milos Forman no rico universo criativo que move o trabalho de grandes artistas – no caso, o pintor Francisco Goya. A leitura destes – incorreta, é bom frisar – foi motivada por um insensato esforço em traçar um paralelo com um dos grandes clássicos do diretor, Amadeus, que apresenta os rompantes criativos de Wolfgang Amadeus Mozart.

O fato é que a narrativa de Sombras de Goya sequer gira em torno do pintor espanhol, e quando o faz, perde um pouco de força. Em seu novo longa, Milos Forman usa a obra de Goya como pano de fundo para tecer um interessante retrato dos jogos de poder praticados entre clero, monarquia e revolucionários republicanos entre o final do século XVIII e início do XIX, com a constatação de que pouco importa quem está no poder, o povo sempre acaba perdendo.

Inês (Natalie Portman) é uma das musas inspiradoras do trabalho de Goya (Stellan Skarsgärd). O rosto dela aparece em diversas obras do pintor espanhol, o que chama a atenção do clero, que andava descontente com a perda de poder para a monarquia e não via com bons olhos parte da produção artística do pintor. Após reabrir os porões da Inquisição, Padre Lorenzo (Javier Barden) consegue um pretexto para condenar a bela Inês às torturas impostas pela contra-reforma. Submetida às piores provações, Inês sucumbe à dor e confessa atos que não cometeu.

Goya, homem influente junto à monarquia e com contatos no clero, tenta interceder pela família de Inês, que deseja a libertação imediata da moça. Em vão. Inês fica presa durante quinze anos e sai da cadeia durante a invasão de tropas francesas. Tomada em parte pela loucura, ela nem consegue perceber o novo cenário político que emerge no país, dominado pelas forças de Napoleão. Republicanos chegam até a Espanha prometendo as melhorias da democracia e a libertação da opressão religiosa. Promessas que, por ironia do destino, são disseminadas pela mais improvável das figuras. É aí que uma nova incursão estrangeira chega ao país, e com ela, uma nova inversão de papéis acontece.


Javier Barden rouba a cena na pele do soturno Padre Lorenzo

O filme não representa uma crítica direta aos atos da Inquisição. Tampouco àqueles cometidos pelos invasores franceses ou pelos ingleses que os sucederam. Forman não faz distinção entre os lados e mostra que, apesar de rotularem-se como diametralmente opostos, seus métodos são extremamente parecidos.

Vale destacar a ótima interpretação de Javier Barden na pele do padre Lorenzo e a beleza e sensibilidade de Natalie Portman como Inês e, posteriormente, no papel de sua filha adolescente. Mas a grande força de Sombras de Goya reside na mão firme de Milos Forman. Aos 75 anos, o diretor mostra que, apesar de não ostentar o respeito que merece após uma carreira marcante, continua apaixonado pelo cinema e sua riqueza narrativa.

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Cinema

Sem medo de ser "trash"

Rose McGowan alimenta o fetiche dos fanáticos por armas de fogo

Quentin Tarantino e Robert Rodriguez podem até não ser unanimidade em Hollywood, mas poucos contestam que a dupla seja responsável pelas maiores revoluções no formato do cinema norte-americano atual. Agora, os dois voltam a somar forças. Desta vez eles não tentam criar novos parâmetros para a indústria, apenas resgatar do limbo um estilo que fervilhava nas salas ianques durante as décadas de 60 e 70. Eram as grindhouses, sessões duplas do que de melhor – ou seria pior? – existia no cinema B do Estados Unidos.

Como a fórmula nunca pegou fora da terra do Tio Sam, o projeto intitulado Grindhouse chegou dividido às telonas brasileiras. Rodriguez responde por Planeta Terror, segmento que homenageia filmes de zumbis clássicos, em especial os criados por George Romero. Tarantino manda ver com À prova de morte, fita que remete aos tradicionais thrillers estrelados por carros assassinos.

Apesar de terem grande afinidade estética – ao ponto desta ser a quinta vez em que trabalham juntos – Rodriguez e Tarantino possuem estilos bem peculiares de direção, o que torna as duas metades de Grindhouse bastante diferentes entre si. Rodriguez mostra-se dono de uma veia mais mainstrem, e Planeta Terror, apesar de proposto como uma homenagem ao estilo trash, possui uma das produções mais bem acabadas do ano, que deve cair no gosto da molecada. Os efeitos especiais são de primeira, verdadeiro deleite para fãs do estilo gore, ou seja, não falta sangue e vísceras. Apesar disso, o filme não se propõe a provocar sustos no espectador, preferindo ficar no tom da paródia, seja através do nojo provocado pelas inumeráveis mortes bizarras, ou pela profusão de personagens esdrúxulos que dominam a telona. Destaque para o perito em armas El Wray (Freddy Rodríguez), a enfermeira Dakota Block (Marley Shelton) e seus problemas conjugais e, principalmente, para Cherry Darling (Rose McGowan), dançarina exótica que ganha uma metralhadora no lugar da perna.

À prova de morte soa como uma real tentativa de revisionismo do estilo grindhouse. Sem dúvida ele está muito mais próximo do clima daqueles filmes antigos, que ficaram famosos no Brasil durante as antigas sessões do Cine Trash da Rede Bandeirantes. O problema é que aqueles que se empolgarem com a ação frenética presente no filme de Rodriguez podem acabar entediados com a lentidão do filme de Tarantino, quase todo composto por diálogos, filmados em pouquíssimos ambientes. A boa notícia é que o diretor responsável por Pulp Fiction ainda constrói alguns momentos geniais, e apesar de À prova de morte ser provavelmente seu pior filme, não deixa de estar em um patamar superior ao da maioria dos longas exibidos neste ano. As interpretações inspiradas de Kurt Russel – como Stuntman Mike, dublê maníaco que usa o próprio carro como ferramenta de execuções – e do grande elenco feminino, que serve ora como vítima, ora como flerte para o vilão motorizado, contribuem para a força do projeto.

Após assistir aos dois longas confesso ter ficado surpreso por gostar mais da fita dirigida por Rodriguez. Tarantino sempre foi um de meus diretores preferidos, mas após o excelente Kill Bill, ele deve ter ficado com o ego nas alturas, a ponto de parecer pouco empenhado em seu projeto mais recente.

Ah! Vale destacar os ótimos trailers falsos que permeiam os dois longas, com destaque para o hilário Don’t – do diretor Edgar Wright, de Todo mundo quase morto – e para Machete, do próprio Rodriguez, ao melhor estilo diversão descompromissada do diretor mexicano. A brincadeira fez tanto sucesso que Rodriguez já almeja fazer um filme de verdade para seu trailer falso. Fico na torcida!

Fale a verdade: você teria coragem de pedir carona para este sujeito?

sábado, dezembro 01, 2007

Cinema

A velha mania de comparar


Tropa de elite teria condições de trazer o Oscar?

Vez ou outra, notamos semelhanças entre o cinema nacional e o futebol tupiniquim. Ambos ressaltam o temperamento brejeiro e festivo dos brasileiros, garimpam talentos em meio à vida dura nas favelas e estão sempre a procura de um novo fenômeno para garantir uns trocados a mais. A última “bola da vez” no campo do cinema é o onipresente Tropa de elite, sucesso nas telonas e camelôs.

Tropa de elite já foi analisado e discutido à exaustão. Todos os aspectos do longa parecem ter sido esgotados por inúmeras discussões suscitadas pelas mais diversas variantes do público, desde os cinéfilos acadêmicos até os adeptos da pirataria, passando pela lente global de Luciano Huck. Prefiro, portanto, ater-me a comparação do longa com o universo futebolístico, estratégia que rende magníficos dividendos políticos para nosso Presidente da República.

Assim como um grande time, que joga de forma vistosa para encher os olhos da torcida, Tropa de elite preocupa-se em mostrar na telona o que boa parte da população brasileira anseia ver: criminosos sendo exterminados. Mesmo sem analisar o mérito da questão, é impossível negar que o longa é na verdade um grande show, tal qual aqueles oferecidos pelos craques dos gramados, e por isso, angaria uma torcida pra lá de entusiasmada.

Estes querem o Oscar, um dos raros “canecos” que nenhum brasileiro teve o privilégio de erguer. O problema é que a Tropa liderada pelo Capitão Nascimento sequer entrará em campo para a disputa, pois o filme acabou preterido em relação ao longa O ano em que meus pais saíram de férias, do diretor Cao Hamburguer.

A torcida pode até chiar, mas a verdade é que a possibilidade de que Tropa de elite levasse a estatueta era tão grande quanto a de que Romário volte a seleção para a Copa de 2014. Embora seja um grande filme, Tropa de elite não possui o viés artístico necessário para encantar os jurados da Academia. A coisa piora se lembrarmos que superproduções com o pé fincado na análise social não são nenhuma novidade em Hollywood.


Policiais, bandidos e armas...
Confronto tão apoteótico quanto uma final de campeonato.


Mas os fãs seguem inconformados, em boa parte devido às inevitáveis comparações com Cidade de Deus, este sim inegável injustiçado pela Academia. As semelhanças residem na temática da violência urbana no Rio de Janeiro, mas caso nossas superproduções estivessem disputando entre si as inúmeras categorias do Oscar, Cidade de Deus certamente venceria com folga. Tropa de Elite teria de contentar-se com uma estatueta para Fernanda Machado como melhor atriz coadjuvante e um merecido prêmio para Wagner Moura como melhor ator, afinal, ele é o dono do filme.

Antes que o séquito de fãs do longa amaldiçoe minha existência, reitero minha opinião esclarecendo que considero Tropa de elite um ótimo filme. O problema é que Cidade de Deus é uma obra-prima, do nível da inesquecível seleção de 1982. Infelizmente, por alguns caprichos do destino, a qualidade de ambos não foi suficiente para que conquistassem os respectivos títulos.