quarta-feira, dezembro 31, 2014

CRÍTICA: O lobo de Wall Street

"Leia as charges políticas de uma época se quiser entender o pensamento daquela era". Ouvi a frase certa vez, não me lembro onde, quando nem de quem, mas concordo em gênero e grau. Nada como o poder fantástico da caricatura (e aqui englobo as charges) de amplificar as características daquilo que retrata, ao ponto de, quando bem feita, reduzir algo a sua plena essência, pintando quadros ao mesmo tempo ácidos e coesos.

Hiperbólico até a raiz, "O lobo de Wall Street" é a charge de Martin Scorsese sobre uma geração para qual luxúria e exibicionismo são as razões de viver. É ainda o marco inicial de um novo nível de depravação e amoralidade no cinemão hollywoodiano. Nível este estratosférico, diga-se – tanto que alguns corações mais fracos não aguentaram as (muitas) camadas de obscenidade (o filme já detém o recorde no uso da palavra "fuck" e aposto que também leva o de orgias e o de nudez em cena), abuso de drogas (com "bad trips" desde já antológicas) e de hedonismo, deixando a sessão ainda na metade...

Leonardo DiCaprio (em sua quinta colaboração com Scorsese) é Jordan Belfort, corretor de ações inescrupuloso que não mede consequências para manter seus vícios por sexo, luxo e todo tipo de droga inventada. Em sua jornada, arrebanha seguidores que compartilham do gosto pelo proibido e monta uma empresa especializada em ludibriar investidores com ações de pouca perspectiva. Avesso às formalidades burocráticas, prefere tocar o negócio como um grande bacanal, conquistando assim não apenas o respeito, mas a "devoção" de seus empregados.

O peso dos temas centrais da narrativa não impede que Scorsese faça deste "O lobo de Wall Street" de longe seu filme mais engraçado. Destaque para a briga patética regada à lude (metaqualona) entre DiCaprio e Jonah Hill (hipnótico no filme), provavelmente o momento mais ensandecido da carreira do diretor e que me fez gargalhar como há muito não fazia no cinema.

Embora a história (baseada em fatos reais, pasmem) se passe na virada dos anos 80 para os 90, o olhar caricato do cineasta soa incomodamente atual, afinal, vivemos dias de funk ostentação e de jogadores de futebol que expõem suas coleções de bundas nas redes sociais. É a constatação de que em nada, ou em muito pouco, evoluímos nos últimos 30 anos.

Cotação: 5 estrelas!