quarta-feira, novembro 29, 2006

Cinema

Voltando à boa forma


Nicholson: "É sério, depois da segunda estatueta aquilo tudo perde a graça..."

Leonardo DiCaprio pode ser perdoado. Se ainda existiam suspeitas de que o ator fosse responsável pela baixa qualidade dos últimos filmes de Martin Scorsese (Gangues de Nova York e O aviador, respectivamente) estas terminam após uma sessão de Os Infiltrados, filmaço que entra fácil em qualquer lista de melhores longas do ano e recoloca Scorsese no posto do qual nunca deveria ter saído: de um dos maiores gênios da história da sétima arte.

O filme conta a história de Colin Sullivan (Matt Damon) e Willian Costigan (Leonardo DiCaprio). O primeiro é protegido do mafioso irlandês Frank Costello (vivido magistralmente por Jack Nicholson, atuação que deve assegurar mais uma indicação da academia). Colin se infiltra na polícia de Boston para conseguir informações que ajudem Costello a assegurar o controle do crime organizado. Graças a informações passadas pelo mafioso, “Collie” consegue uma ascensão meteórica na polícia, chegando aos postos mais altos, onde ele tem acesso às informações mais restritas do departamento. Já Willian Costigan faz o caminho inverso: policial, é designado para se infiltrar no bando de Costello por possuir antepassados com antecedentes criminais na máfia irlandesa, o que diminuiria as suspeitas acerca dele ser ou não um “rato” infiltrado.

Desta maneira, o foco narrativo gira em torno da tensão da atividade dos dois infiltrados, que a cada nova ação podem ser descobertos pelo outro lado, ou mesmo descobrirem um ao outro, já que ambos ficam sabendo da existência de um “rato” em suas respectivas bases. O roteiro funciona como um cabo de guerra, onde as novas descobertas e informações de um lado forçam o outro a agir em resposta com igual intensidade.

A situação se complica quando Sullivan começa um relacionamento amoroso com, psicóloga da polícia, designada para dar assistência ao personagem de DiCaprio, que também não demora a flertar com a moça. Os desencontros dos infiltrados e seus constantes esforços para conseguir mais respeito Costello para poder finalmente desequilibrarem o jogo criam uma atmosfera densa e delicada, gerando um show de reviravoltas que obrigam o espectador a não desviar a atenção da telona por nenhum um segundo.

Tudo isso enriquecido por ótimos personagens coadjuvantes, como a dupla de policiais Queenan e Dignan, vividos por Martin Sheen e Mark Walbergh, responsáveis por toda a logística para que Costigan não seja descoberto pelo inimigo. E não posso esquecer dos diálogos, simplesmente geniais, como aquele em que Sullivan diz que não “precisa de bandidos para ser policial, pois se eles acabassem, ele passaria a prender inocentes”.

Apesar de se tratar de uma refilmagem de um longa de Hong Kong (Conflitos Internos), Os infiltrados é Scorsese puro. Aqui o diretor prova mais uma vez entender o universo masculino e como funciona a cabeça dos homens. Neste mundo movido à testosterona (só existe uma personagem feminina com relevância para a trama), Scorsese mostra que os "machos" são movidos pela necessidade de respeito (reconhecimento), poder e sexo. Ao se depararem com a falta ou oferta de um destes elementos, não é raro que estes apelem para a violência. O diretor entende estas motivações e transforma a violência de seus filmes em algo cheio de significado, sempre de forma inteligente, algo que alguns puristas defensores das boas maneiras talvez não sejam capazes de entender...

sexta-feira, novembro 10, 2006

Música


Lily Allen: sensação musical graças a maneira "despojada" de ser


Se você está à procura de um popzinho suave e descolado, capaz de rolar na MTV, mas com personalidade própria, uma boa pedida é conferir o álbum Alright, Still... da inglesa Lily Allen. Muito bem executado e com letras pra lá de inusitadas, Allen é séria candidata a se tornar a nova queridinha da mídia.

Tudo graças à sua sinceridade. Depois de um mal sucedido disco de estréia, “Lily the Kid”, como é conhecida na Inglaterra, não deu bola para os executivos de sua gravadora e manteve o teor sarcástico de suas canções, de letras bem pessoais e, em alguns casos, sem muito pudor.

A decisão fez com que a cantora não recebesse o aval dos “engravatados da música”. Ainda sim Allen se mantinha irredutível, e já que estava sem gravadora, resolveu divulgar suas canções através de sua página do Myspace:
http://www.myspace.com/lilymusic. Não demorou para que Lily conquistasse o maior suporte que um artista pode contar: uma legião de fãs. Em pouco mais de um mês as músicas já haviam sido acessadas mais de 1 milhão de vezes. Lily se tornou a mais nova celebridade do mundo virtual, um sucesso tão retumbante para qual nenhuma gravadora poderia fechar os olhos.

Quando já podia escolher em qual selo ficar, Lily optou pela EMI, mas não abandonou a Internet. A cantora continua atualizando regularmente sua página pessoal do Myspace e um blog: http://www.lilyallenmusic.com/. Neles podemos conferir um pouco das desbocadas letras que garantiram o sucesso da cantora. Um exemplo? Que tal o hit Smile: “When you first left me I was wanting more. but you were fucking the girl next door, what you do that for?” “Quando você me deixou eu queria mais, mas enquanto você fodi@#$ a vizinha, o que você queria?”. Tudo isso produzido de forma açucarada, prontinho para ser o sucesso da estação. Alguém duvida?



Confira o talento da moça para o pop grudento no hit "LDN"

segunda-feira, novembro 06, 2006

Cinema

Poema em Celulóide


Fonte da vida: Hugh Jackman mostra o quanto pode brilhar

Minha expectativa para conferir Fonte da vida era enorme. Quase do tamanho da fila para entrar na primeira sessão do filme no Festival Internacional de Brasília. Quando as portas da sala 1 do Cine Academia se abriram uma pequena multidão passou a correr afoita em busca de um bom assento. Tudo porque o diretor do filme é Darren Aronofsky, o revolucionário responsável pelos magníficos Pi e Réquiem por um sonho.

O longa marca a volta do cineasta após um hiato de seis anos, período em boa parte dedicado a um ambicioso projeto que entrecruzaria três narrativas distintas, cada uma delas separadas quinhentos anos no tempo. Brad Pitt e Cate Blanchet estrelariam a produção, batizada de Fonte da vida, mas logo começaram a surgir as famosas “diferenças criativas” entre ator e diretor, culminadas com a saída de Pitt. Como o longa era todo construído em cima do personagem de Pitt, Blanchet pulou fora pouco depois. A produção ficou estagnada e a Warner optou por bloquear os oitenta milhões de dólares reservados ao projeto.

Aronofsky também pensou em abandonar o barco. Se envolveu nas pré-produções do novo longa de Batman e na adaptação de Watchmen, tudo para esquecer a desilusão de não filmar sua menina dos olhos. Mas o diretor não se identificou com estes projetos e em pouco tempo já procurava formas de recomeçar a produção de Fonte da vida
. Após enxugar o roteiro e reduzir os custos de produção em quarenta milhões, ele recebeu novamente o sinal verde da Warner. Hugh Jackman e Rachel Weisz tomaram os lugares reservados a Pitt e Blanchet, e a ambição de Aronofsky pode se completar.

A história de Fonte da vida não chega a ser tão complexa quanto as primeiras sinopses pintavam: é uma história sobre a fragilidade humana e nossa difícil relação com a morte, Jackman interpreta três personagens, um conquistador espanhol atrás da antiga lenda maia sobre a “fonte da vida”, um médico em busca da cura do câncer e um astronauta viajando em direção ao um agrupado de estrelas que, segundo as mesmas lendas maias, tem a capacidade de conceder vida eterna.

Para cruzar as linhas narrativas paralelas, Aronofsky constrói a trama que envolve o conquistador espanhol como um livro que Izzy (Weisz) escreve durante sua luta contra o câncer. Nada mais que um espelho da obstinação de seu próprio marido, que pesquisa as propriedades de cura de uma antiga árvore apenas para garantir que a mulher amada, objeto de sua adoração, sobreviva. O astronauta pode ser interpretado como o final da jornada do conquistador, mil anos no futuro, ou mesmo a destino do médico Tommy (Jackman), após encontrar o segredo da vida eterna em sua pesquisa. Os três podem ser considerados apenas um personagem, pois nenhum consegue lhe dar com a perda da mulher amada, e todos estão em busca da “fonte da vida”.

O enredo é muito simples e mesmo assim o filme é capaz de provocar as relações mais distintas e complexas. Algumas pessoas simplesmente não conseguiram compreender as conexões entre as tramas. Outras, por motivos religiosos ou filosóficos, não conseguem entender a dificuldade que os personagens de Jackman têm em aceitar a morte. Outros simplesmente acharam mo filme "vazio". O fato é que a produção é uma síntese perfeita da própria humanidade, que durante toda sua história (daí as narrativas separadas pelo tempo) se mostra incapaz de lidar com a morte, criando os mais diversos subterfúgios para aceitar o destino final, ou apenas diminuir a dor. Um tema que merece reflexão.

O longa é permeado por inúmeros efeitos especiais e planos pouco convencionais, marca registrada de Aronofsky, mantendo o estilo lisérgico das produções anteriores. Mas desta vez o diretor acaba escorregando em seqüências exageradamente grandiosas, que apesar de lindas, acrescentam muito pouco ao resultado final.

O mesmo não se pode dizer da interpretação de Jackman, uma das melhores já vistas no cinema. O ator é o pilar de sustentação do filme. Toda a dor e dificuldade de resignação só podem ser assimilidas graças à inacreditável sinceridade de Jackman em cena, transbordando emoção durante toda a fita. Aronofsky acertou em cheio neste ponto. Sem um um grande ator seria impossível rodar um roteiro tão minimalista. Weisz, por sua vez, cumpre seus papéis de forma correta, compondo o oposto de Jackman: uma pessoa conformada com seu destino. Interessante notarmos que a atriz é esposa de Aronosky, algo que deve ter contribuído para que o diretor se esforçasse tanto em transformá-la no motivo daqueles personagens viverem, a verdadeira “fonte da vida” de cada um deles.

quinta-feira, novembro 02, 2006

Cinema

Volta as origens


Volver marca o retorno de Almodóvar aos temas femininos.

Olho no relógio: 20:30! O coquetel de abertura do Festival Internacional de Cinema de Brasília 2006 estava marcado para oito da noite, mas quem comprou ingresso foi obrigado a ficar do lado de fora, espiando alguns figurões desfilarem seus modelitos fashion pelo saguão do Cine Acadmia enquanto se empanturram com vinhos e salgadinhos. É preciso garantir o conforto de gente como o governador eleito do Distrito Federal, José Roberto Arruda, justo ele, que até um mês atrás não media esforços para ser visto no meio do povão...

Mas nem mesmo todo este constrangimento foi capaz de apagar o brilho desta sessão de estréia. Após degustar alguns salgadinhos e amendoins e esperar os políticos garantirem os melhores lugares, recostei minha cabeça na poltrona e esperei a projeção começar. Antes, uma pequena apresentação sobre o festival.

O filme escalado para abrir a mostra deste ano foi Volver, do espanhol Pedro Almodóvar, antecedido pelo curta Tarantino’s Mind, de Manitou Felipe e Bernardo Dutra. Os diretores brasileiros apresentam uma tese sobre o cinema de Quentin Tarantino, onde o personagem vivido por Selton Mello costura ligações entre todos os filmes dirigidos e roteirizados pelo diretor americano. Certamente os grandes fãs de Tarantino já haviam feito algumas das associações apresentadas, mesmo assim, o curta consegue ser bem divertido quando nos depara com referências que passaram batido. Um ótimo cartão de visita para a dupla de estreantes.

Era chegada a hora da atração principal. Volver (voltar em espanhol) logo se mostra um excelente título para o novo trabalho de Almodóvar. O reencontro conturbado entre mãe e filha é também a volta do diretor ao seu habitat natural. Aqui Almodóvar se reencontra com a musa Penélope Cruz, as cores vibrantes, a vida cotidiana e, principalmente, com o universo feminino, que ele compreende como poucos. As mulheres de Volver são fortes e independentes, e mantém uma relação de desconfiança com o os homens. Todas já tiveram grandes decepções com o sexo oposto, mas Almodóvar é sutil, ao ponto de não transformar seu trabalho em mais um panfleto para a eterna guerra dos sexos.

E trabalhar novamente com o universo que lhe é habitual não fez com que Almodóvar se repetisse. Longe disto! Volver apresenta um frescor raro no cinema atual, com um narrativa fluída, calcada na tradição oral de contar histórias do povo latino. Um “que” de realismo mágico permeia a produção e o cineasta brinca com o telespectador enquanto sugere levar a história para rumos pouco convencionais, mesmo sem fazer as experimentações estruturais apresentadas em longas como Má educação. Volver é linear e o desenrolar da história se dá como nos melhores segredos de família, onde cada peça do quebra-cabeça é descoberta meio que por acaso, justificando as atitudes tomadas pelos personagens anteriormente.

E que personagens!!! Bastaram poucos minutos de projeção para que a sala, completamente lotada, se visse conquistada pelo incrível carisma daquelas mulheres! Apesar da família composta por Irene e suas filhas Raiumunda e Soledad possuir características tão ímpares, é impossível não se indentificar com a forma como elas interagem entre si. Risadas e expressões de angústia ecoavam em uníssono no cinema, só terminando ao final história, um desfecho tocante, sem ser piegas. Bem diferente da maioria das produções que permeiam o mercado. Após a projeção, palmas mais do que merecidas.

Se você perdeu a exibição de estréia, não se desespere. Volver não irá demorar a aportar no circuito convencional. Sua estréia nacional acontece no dia 10 de novembro. Mas procure não perder esta segunda oportunidade, afinal, não é sempre que podemos assistir no cinema a um filme que já nasce clássico.