segunda-feira, janeiro 29, 2007

Cinema

Falta de comunicação


Apesar de desconexo, trecho japonês é o destaque de Babel.

Alejandro Gonzales Inarritu gosta mesmo de sofrimento. Todos os seus filmes têm tragédias como fio-condutor, estas desencadeiam outras, provocando uma reação em cadeia. Em Babel não é diferente. Mas agora o diretor testa sua equação de desgraças num contexto global, com a premissa de que o disparo de um rifle no Marrocos pode emitir vibrações que ressoarão na vida de pessoas por todo o globo.

Além das habituais tragédias, o filme também traz a já tradicional narrativa entrecortada presente nos filmes de Inarritu. Talvez esta tenha sido a forma do diretor mostrar como uma tragédia passa a refletir em toda nossa vida, alterando nosso futuro e mudando nossa percepção do passado. Mas se em 21 gramas a experiência de “participar” do montagem do filme se revelava fascinante, em Babel ela pouco infere sobre a trama, tamanha sua simplicidade.

Outro aspecto negativo está na própria pretensão de Inarritu de mostrar nosso mundo como uma grande aldeia global onde uma simples ação pode afetar a vida em todos os lugares. Simplesmente não funciona! Isto porque esta embora as fronteiras estejam cada vez menos nítidas e do tiro que alveja Cate Blanchet ser tratado como ato terrorista pelo governo dos EUA, as reações em cadeia não são capazes de reverbar com intensidade suficiente para fugir do círculo da família da vítima ou dos diretamente envolvidos. O diretor até tenta inserir uma ligação com uma família japonesa, mas a tragédia que esta enfrenta é totalmente singular ao restante da trama, causando ao espectador uma sensação de que esta história está literalmente “sobrando” na trama.

Inspirado pela antiga lenda da Torre de Babel, Inarritu é sábio ao mostrar que os contrastes culturais representam obstáculos muito maiores do que as fronteiras impostas pela linguagem. Personagens como o casal vivido por Brad Pitt e Cate Blanchet geralmente dispõe de um tradutor, quando não, conseguem se comunicar através de sinais. Porém, isso não garante que suas idéias sejam compreendidas. Apesar das distâncias terem diminuído com a tecnologia, o preconceito tratou de afastar ainda mais as pessoas.

A babá mexicana Amélia (vivida por Adriana Barraza) também não apresenta dificuldades para se comunicar com os filhos do casal protagonista em sua língua pátria (espanhol), uma forma de mostrar que o atualmente o idioma funciona como uma língua extra-oficial nos EUA, atestando a força e importância que os latinos têm naquele país, apesar dos esforços de alguns governantes para provar o contrário.

Curioso perceber que a linguagem se torna uma barreira tangível exatamente na subtrama envolvendo a família japonesa, que parece estar desconexa em relação às demais. Rinku Kikuchi vive Chieko, uma jovem com problemas auditivos. As dificuldade impostas pela deficiência de comunicação fazem com que a maioria das pessoas se afastem da garota, alimentando um sentimento misto de revolta e baixa auto-estima. A cena em que um pretendente interrompe o flerte ao descobrir que ela é surda talvez seja a mais impactante de todo o longa. Apesar de parecer desconexa com o restante da trama, a força desta subtrama em si acaba explicando o porque de sua inserção. É uma pena que esta tenha se dado de maneira tão gratuita. Uma solução muito melhor seria realizar um filme apenas para contar esta história.

Outro ponto forte desta seqüência é a manipulação do silêncio por parte do diretor, para partilharmos com Chieku a perspectiva de um mundo sem sons. Mas mesmo com toda esta sensibilidade, não consegui evitar a tristeza ao perceber que um deficiente auditivo não poderá compreender a mensagem que traduz suas dificuldades para o restante do mundo.

Apesar destes deslizes, Babel é um bom filme. O mais fraco da carreira de Inarritu, com certeza. Algo que pode ser relevado se lembrarmos que o restante de sua filmografia é composta pelos excelentes 21 gramas e Amores brutos. Babel até merece estar no Oscar, mas caso ganhe, como já fez no Globo de ouro, será um grande exagero.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Cinema

Entretenimento lapidado


Elenco estrelado garante brilho de produção politicamente engajada


Ativismo político não é novidade em Hollywood. Até mesmo Chaplin aproveitou o auge da fama para realizar um verdadeiro panfleto contra o nazismo em O grande ditador, onde teve oportunidade de ridicularizar a figura de Hitler. Mais do que bilheteria, este gênero de filme costuma ter grande repercussão na mídia por apresentar à sociedade diversos temas de extrema importância, que muitas vezes são relegados pelos noticiários convencionais.

Neste quesito, o continente africano parece despontar como uma “mina de diamantes” para inspiração de roteiristas engajados, ainda mais agora, quando a África está “na moda”, graças a uma sucessão interminável (e até certo ponto, questionável) de adoções realizadas por celebridades. Muitas outras, engajam-se em missões humanitárias. Estes atos atraem, invariavelmente, a atração da mídia global.

Desta forma, rodar um filme que aborda o problema político, social e econômico gerado pela extração de diamantes em zonas de conflito não chega configurar como uma idéia muito original, mas revelar o assustador quadro financiado pela indústria de jóia parece essencial. Atualmente, brilhantes servem como moeda para financiar milícias rebeldes e até mesmo alguns exércitos nacionais. Estes se digladiam de forma incessante, deixando o povo a mercê da miséria e destruição causada pelos conflitos.

O diretor Edward Zwick acertou a mão neste ponto. Diamantes de sangue não tem pudor de mostrar as barbáries cometidas por ambos os lados. Escravidão, chacinas e recrutamento de crianças para o combate podem não ser temas muito atrativos para pessoas que estão atrás de diversão escapista, mas sem dúvida são capazes de suscitar um pouco mais de reflexão.

Mas é claro que se o filme tivesse apenas esta intenção, quase ninguém iria aos cinemas, e fazer um panfleto para convertidos não ajudará a mudar o quadro. Por isso, Zwick optou por uma constelação de estrelas para o elenco. Leonardo DiCaprio encabeça a lista, na pele de Danny Archer, inescrupuloso mercenário que está atrás do diamante encontrado pelo pescador Solomon Vandy (Djimoun Housson, em ótima atuação). A maravilhosa Jennifer Connely dá vida à jornalista Maddy Bowen, uma idealista que cruza o caminho de Archer e se torna o interesse romântico do rapaz, e até certo ponto, sua consciência.

Recheado de ação e com diversas seqüências de tirar o fôlego, Diamantes de sangue pode ser rotulado como um blockbuster politicamente engajado. Deve agradar tanto aos fãs de filmes de ação, quanto adeptos de um cinema mais “cabeça”. Estes últimos certamente irão reclamar de alguns deslizes do filme, como a forçada relação entre Archer e Bowen, ou mesmo o final feliz, que causa a falsa impressão de que no mundo real os problemas também se resolvem naturalmente.

Diamantes de sangue tem tudo para atrair um grande público e alimentar calorosos debates sobre a exploração dos diamantes de conflito. Sem dúvida ele não fornece embasamento necessário para uma argumentação mais criteriosa, mas serve como primeiro passo. Também é certo que muitos permanecerão incessíveis à mensagem, guardando na memória apenas os espetaculares tiroteios, ou a beleza do casal protagonista. Lembro-me de que, na estréia de Super size me, filme que retrata os malefícios que a dieta fast food pode causar, muita gente saiu do cinema e foi direto para o McDonalds! Portanto, se Zwick não conseguir mobilizar tipos assim, não vamos culpá-lo!!!

sábado, janeiro 06, 2007

Cinema

Melhores de 2006


Ano novo, hora de estender o tapete vermelho para os melhores de 2006...

Início de ano, época das mais diversas tradições. Fogos, roupa branca, lentilha, Big Brother, oferendas à Iemanjá e, é claro, fazer a tradicional listinha do que houve de melhor no ano que passou. Comecemos pelos filmes, e feliz ano novo!!!

1° Filhos da esperança
Ação, drama e protesto se fundem com maestria neste filmaço dirigido por Alfonso Cuáron. A história de um mundo sem crianças e, conseqüentemente, sem esperança ainda será capaz de produzir muitas lágrimas mundo afora, graças à atualidade dos temas que aborda. Destaque para as interpretações magníficas de Clive Owen, Julianne Moore e Michael Caine, além da direção magnífica de Cuáron.

2° Ponto final – Match point
Esquecido na última premiação do Oscar, a última produção de Woody Allen é uma antítese na carreira do diretor: um suspense, e rodado em Londres, bem longe da velha conhecida Nova York. Talvez tenham sido os novos ares, ou quem sabe a presença da nova musa Scarlett Johanson, o fato é que Allen nos brindou com uma tese sobre sorte em forma de filme. Brilhante!!

3° Os infiltrados
Se Allen primou por se afastar de seu estilo habitual, Scorsese voltou a brilhar fazendo justamente o contrário. Novamente com Leonardo DiCaprio à tiracolo, mas desta vez muito bem acompanhado por Jack Nicholson e Matt Damon, o diretor nos apresenta uma sangrenta refilmagem do longa chinês Conflitos Internos. Um policial infiltrado na máfia e um mafioso infiltrado na polícia brincando de gato e rato, cenário propício para Martin distribuir tiros intercalados por diálogos arrebatadores.

4° A máquina
Um filme nacional com um jeitinho brasileiro irresistível de ser. Esta é a melhor maneira de definir o debut do diretor João Falcão no cinema. Ajudado por recursos teatrais e uma narrativa calcada no realismo mágico, Falcão nos faz sentir orgulho de sermos brasileiros e prova que dá pra fazer cinema no Brasil sem recorrer aos estereótipos habituais.

5° Volver
Almodóvar é outra figura que aproveitou 2006 para voltar às raízes. Volver marca o reencontro do diretor com suas duas musas – Carmem Maura e Penélope Cruz – e com o universo feminino que ele retrata com profundo conhecimento. Aqui vemos mulheres fortes, que encontram nos laços familiares, ou amizades, pilares para conseguir se defender do sofrimento imposto pelo sexo oposto.

6° Pequena Miss Sunshine
Sundance caiu de joelhos diante desta magnífica tragicomédia familiar. Aliás, quem foi capaz de resistir aos encantos da pequena Olive ou segurar o riso diante das brilhantes tiradas do avô da menina? E mais, que atire a primeira pedra aquele que não ficou com vontade de cruzar o país à bordo de uma kombi amarela! A julgar pela qualidade desta obra de estréia, o casal Jonathan Dayton e Valerie Farris ainda vão dar muito o que falar!

7° O segredo de Brockeback Mountain
Muito já foi dito sobre os efeitos que o sucesso de Brockback Mountain terá sobre o cinema no futuro. E nesta onda de bancar o Nostradamus muito crítico deixou de dizer o essencial: o longa de Ang Lee é uma senhora história de amor, que atravessa as barreiras dos gêneros e preferências sexuais. Impossível não se sensibilizar com a dor dos cowboys Jack Twist e Ennis Del Mar.

8° V de Vingança
Alan Moore pode esbravejar o quanto quiser mas a verdade é que finalmente fizeram um grande filme em cima de um de suas obras-primas. Ouso inclusive dizer que esta versão da história de V é mais bem contada que a original. Livre de algumas crenças e referências que condiziam muito mais com Moore do que com seus personagens, a versão comandada por James McTeigue conta ainda com marcantes interpretações de Natalie Portman e Hugo Weaving.

9° Soldado Anônimo
O caos do Iraque não parece ter data para terminar, mas neste longa o diretor Sam Mendes resolveu ir até as raízes do problema, a Guerra do Golfo. Um filme de guerra diferente, onde o marasmo e a falta de ação, conseqüências da modernidade das armas atuais, realiza uma verdadeira lavagem cerebral em soldados como Anthony Swofford (Jake Gyllenhal), que chegam a implorar pela oportunidade de matar um inimigo. Perturbador.

10° O grande truque
Christopher Nolan deixou Shyamalan comendo poeira no quesito “brincar com o lado detetive do público”. Apesar de já irmos ao cinema preparados para uma reviravolta, em nenhum momento o longa de Nolan mostra-se desinteressante. Muito pelo contrário: muitos devem ter repetido a sessão apenas para tentar achar as pistas que ajudam a desvendar o final.

Quase chega: 007 - Cassino Royale
Bond, James Bond. O agente 007 sempre foi conhecido pelos inúmeros clichês. Mas isso deve se tornar coisa do passado. A entrada de Daniel Craig na franquia impôs um novo ritmo para as aventuras do agente britânico. O filme segue a cartilha de Batman Begins, reinventando o personagem para situá-lo no contexto do século XXI. Talvez seja cedo para dizer que é o melhor Bond de todos os tempos, mas apenas porque Craig estará de volta para novas missões!!!

Pior filme: Xuxa Gêmeas
Não, não assisti. Mas alguém tem alguma dúvida de que se trata da bomba do ano?

Melhor diretor: Alfonso Cuáron (Filhos da esperança)
Seria indelicado com caras como Woody Allen e Scorsese dizer que este prêmio foi uma barbada, mas não dizer é uma profunda injustiça com o genial trabalho deste mexicano. Filhos da esperança é um dos longas mais bem dirigidos da atualidade em todos os aspectos, e se passar em branco durante o Oscar provará de uma vez por todas que a Academia não entende nada de cinema.

Melhor Ator: Clive Owen (Filhos da esperança), Hugh Jackman (Fonte da vida)
É, um empate… Justo eu que detesto ter que recorrer a este recurso não tive outra opção a não ser dividir as glórias. Owen garante o bi-campeonato com a interpretação perfeita de um herói ocasional. Durante a juventude, Theo Faron sonhava mudar o mundo. A chance só aparece quando nada mais importa. Destaque para a explosão do personagem, que se afasta dos outros para poder chorar a morte da amada. Jackman, por sua vez, foi figurinha carimbada aparcendo em três longas de destaque (O grande truque, X-MEN: O confronto final e Fonte da Vida). Neste último, Jackman transborda emoção durante todo longa, interpretando três personagens distintos que, na verdade, são um só. O filme se sustenta em sua atuação, já que praticamente não há história, apenas a descrição do desespero de homens que perderam a mulher amada.

Melhor Atriz: Natalie Portman (V de Vingança)
O destino me pregou uma peça. Ano passado deixei Natalie em segundo lugar para prestigiar Hillary Swank, mas durante todo ano me perguntei se não tinha errado em meu julgamento. Talvez este comportamento tenha sido apenas reflexo da soberba interpretação de Portman como Evey Hamond, encarnando dor e revolta com uma sensibilidade incomum para uma atriz de sua idade. Destaque para a cena da chuva, que já nasceu antológica!