domingo, agosto 15, 2010

Cinema

Arquiteto do sonhar


Em A origem, Nolan brinca de botar o mundo de cabeça pra baixo.

Em A Origem, é sintomático notar que o diretor Christopher Nolan recorre a arquitetos para dar forma aos sonhos que movem a trama. Embora a arquitetura seja ramo de expressão artística reconhecido, a natureza de sua produção está intrinsecamente ligada a critérios objetivos e à lógica matemática, que por si só contrastam em demasia com a ideia de subjetividade com a qual costumamos rotular os sonhos.


Nolan poderia ter optado por pintores, escritores, roteiristas ou mesmo cineastas. Seriam opções mais óbvias, pois costumamos atribuir a tais artistas uma aura criativa mais afeita ao ambiente do imaginário. Porém, a opção por arquitetos revela muito sobre o modo peculiar com que ele conduz suas histórias. Basta uma olhada rápida pelas críticas de seus filmes para topar com termos como “trama engendrada” ou “construção engenhosa”, típicos de uma análise arquitetônica.


Obcecado pela forma, Nolan ficou famoso pela naturalidade com a qual conduz reviravoltas em tramas complexas, sem nunca perder a coerência. Em A Origem, ele brinca com essa capacidade, em uma trama sobre um grupo de ladrões que adentram o sono alheio para capturar informações valiosas dentro de sonhos.


Leonardo DiCaprio é Cobb, líder do grupo e talvez a maior autoridade no campo do sonhar. Acostumado a roubar segredos corporativos, ele é desafiado a ‘plantar’ uma ideia na mente do empresário Robert Fischer (vivido por um insosso Cilian Murphy), principal concorrente do ganancioso Saito (Ken Watanabe). Cobb alerta seu contratante sobre a quase impossibilidade de êxito na tarefa, mas é coagido quando Saito lhe promete a anistia por um crime cometido no passado.



Nolan faz excelente uso de efeitos especiais durante o longa.

O problema é que Cobb não tem mais o controle dos sonhos que cria, uma vez que não consegue afastar-se da imagem de sua falecida esposa (a exuberante Marion Cotillard). Assim, é necessário convocar uma equipe de apoio e selecionar uma arquiteta substituta, Ariadne (Ellen Page), pela qual somos apresentados às regras que regem o universo dos sonhos.


A partir daí a estrutura segue o modelo habitual dos filmes de Nolan, construções precisas nas quais nem tudo é o que parece. Embora resida aí o ponto forte do estilo do diretor, essas mudanças abruptas no ruma da narrativa são também seu ‘calcanhar de Aquiles’, uma vez que sua plateia cativa já chega ao cinema predisposta a procurar pelos detalhes que provocarão reviravoltas na trama.

Não que isso faça de A Origem um filme ruim. Pelo contrário. Nolan ainda é suficientemente ‘engenhoso’ para surpreender até mesmo os mais incautos fãs. Além disso, o mérito de seus filmes sempre esteve mais na construção das tramas em si do que nas surpresas que elas reservam ao expectador. Nolan é de fato um arquiteto, daqueles especializados em construir labirintos, estando de tal forma consciente disso que foi capaz de criar uma história que não é nada mais do que uma metáfora para seu próprio processo criativo.

segunda-feira, agosto 09, 2010

Psicologia

O criar e a criatividade


Responda rápido: você exercitou muito a criatividade com Lego?

O colega Rafael Tirolo lançou um projeto interessante. Uma corrente que se propõe a discutir o conceito de criatividade, de onde surgem as ideias originais e se elas são de fato originais, ou meras reproduções do que sempre deu as caras por aí, mas não fora notado com a devida atenção. O projeto conta com quinze pessoas e funciona da seguinte forma: há um texto inicial que incita o debate e, a partir daí, a corrente segue em frente com cada autor dabdo sua contribuição após ser todos os textos anteriores, até que o ciclo se feche e uma nova rodada tenha início. Vale tudo, desde comentar o que acabou de ler até propor uma discussão totalmente nova.

O processo está bastante interessante, já tendo originado excelente metáfora sobre o processo criativo e brincadeiras com Lego. Reproduzo abaixo minha contribuição:

Nunca fiz um teste de QI, embora, quando fosse bem garotinho, todos me aconselhassem fazê-lo. Diziam que eu era inteligente demais, “menino-prodígio”, e tinham certeza de que meu resultado iria equivaler-se apenas aos coeficientes de gênios notáveis, os quais eu já deveria adotar como parâmetro pessoal.

Tamanha expectativa deixa qualquer criança do alto de seus oito anos com medo. E se meu teste revelasse que eu era apenas um garoto comum no meio de tantos? Ou pior: e se eu estivesse abaixo da média? Isso implicaria um futuro medíocre pela frente?

Nunca cheguei a recusar fazer o teste, mas sempre pensei em como seria o inevitável momento em que tivesse um pela frente. Seria a hora da verdade, pois, contra os números, nada poderia fazer. Por anos tentei prever perguntas e exercícios que nunca foram feitos.

Pouco tempo atrás, li na revista Superinteressante que o coeficiente não é um dado invariável na vida de uma pessoa, sofrendo alterações de acordo com o grau de atividade cerebral ao qual a pessoa está habituada em dado momento. Ou seja: nada mais do que um “retrato” momentâneo da capacidade mental de alguém.

Acredito piamente que a criatividade funcione de maneira parecida. Mais do que uma dádiva, um estado de espírito. Para ser criativo, primeiramente é necessário estar disposto a tanto. Referencial é absolutamente necessário, mas a própria busca deste exige atitude pró-ativa. Acredito que o fato ou objeto absolutamente novo, livre de qualquer referencial pretérito, não seja algo inteligível. Pelo contrário. Moldamos nosso conhecimento por associações, verificando graus de repetição. O próprio método científico não é nada mais do que a verificação de padrões que possam comprovar uma tese, esta nascida da observação daqueles.

Assim, o processo criativo nada mais é do que a habilidade de associar conhecimento pré-existente de modo novo. Inconsciente ou não, é algo que demanda esforço, podendo ser exercitado ao longo do tempo. Assim, dedicação é a palavra chave.

É claro que haverá gradações no nível de criatividade entre as pessoas. Alguns se limitarão a criar utilizando-se de referenciais e de regras pré-estabelecidas, produzindo conteúdo formulado de acordo com parâmetros facilmente reconhecíveis, podendo, desta forma, ser criticados por agir como meros copiadores. Outros estabelecerão suas próprias regras de como combinar o conhecimento adquirido ao longo do aprendizado. Esses serão vistos como revolucionários, e a tendência é que seus métodos passem a ser copiados por outras pessoas, em um incessante ciclo de inovação-padronização.

Ser um “criador” ou “copiador” dependerá do grau de esforço pessoal durante o processo criativo.

Assim, a metáfora do Lego é bastante eficiente para definir o que é a criatividade. Todos adquirem uma série de peças diferentes ao longo do tempo. Cabe a cada um decidir a melhor maneira de encaixá-las, seguindo ou não o manual de instruções.