quarta-feira, janeiro 30, 2008

Cinema

Estilo inglês


Será que alguém consegue tirar a estatueta de Desejo e reparação?

Ninguém deve estar torcendo mais pelo final da greve dos roteiristas norte-americanos que o diretor inglês Joe Wright. Seu mais novo longa, Desejo e reparação, foi premiado com o Globo de Ouro na categoria de melhor filme de drama e, graças à paralisação, Wright não pode desfrutar do glamour de exibir o troféu para milhões de espectadores planeta afora. Como Desejo e reparação segue como um dos favoritos para abocanhar o Oscar de melhor filme deste ano, o diretor deve estar aflito com a possibilidade de ver a maior conquista de sua carreira passar batida aos olhos do público.

E com razão. Desejo e reparação mostra que o estilo de direção que atraiu o olhar da crítica especializada em Orgulho e preconceito está mais maduro e competente. Wright confere ritmo singular ao novo projeto, onde praticamente todas as seqüências vão aos poucos formando um quebra-cabeças que só tem o conteúdo real revelado ao ficar completo. No princípio, o estilo pode causar estranheza ou mesmo desagradar os desavisados, mas o desenrolar da trama conduz o espectador por caminhos improváveis, surpreendendo a cada flashback ou avanço cronológico que explicam a natureza dos acontecimentos.

Em uma Inglaterra prestes a entrar na Segunda Guerra, a jovem Briony demonstra notável talento para a escrita. Inconformada com a paixão da irmã mais velha Cecília (Keira Knightley) pelo filho da governanta Robbie (James McAvoy), a aspirante à dramaturga intervém no romance, acusando o rapaz de um crime que não cometeu. Tal atitude, juntamente com o desenrolar da guerra, irão mudar completamente a relação destes personagens, exceto pela paixão do casal protagonista (ou seria Briony o verdadeiro destaque?) que não diminui. As motivações e o desencadeamento dos fatos são mostrados por meio de uma montagem inteligente e sensível, o grande destaque do filme. Também é preciso ficar atento às pequenas metáforas visuais projeção, como na cena em que Briony tenta desesperadamente lavar as mãos e à excelente trilha sonora, que mistura sons do ambiente a temas clássicos, compondo a sinfonia ideal para embalar as lembranças de Briony.


Reflita após o término da projeção: houve um final feliz?

E é justamente em seu segmento bélico que o longa perde um pouco a força. Mostrado antes de conhecermos alguns detalhes da trama, esta fase parece destoar do restante da história, principalmente em um elaborado plano-seqüência que mostra a retirada das tropas inglesas de Dunquerque, na França. Apesar de belíssima, a grandiosidade da cena é irrelevante para o desenrolar da história, um verdadeiro exercício alto-indulgente de virtuosismo, que parece ter sido inserido para atestar eventuais estatuetas de melhor fotografia e direção. Apesar desviar a atenção do ponto forte da produção – sua excelente história – o plot não chega a comprometer o resultado final.

Caso vença a disputa pela estatueta, Desejo e reparação comprovará a força da retomada do cinema inglês nos últimos anos. É bom Hollywood tomar cuidado: caso a greve continue por muito tempo, os americanos já possuem uma ótima alternativa para continuarem assistindo filmes em sua língua natal.

terça-feira, janeiro 29, 2008

Cinema

Guerra de sexo


Verhoeven segue a risca sua receita de mesclar sexo e violência

Paul Verhoeven é um pervertido, na acepção mais elogiosa que a palavra pode receber. Seu fascínio por violência e sexo nos garantiu pérolas como O vingador do futuro, Tropas estelares e Instinto selvagem, todas repletas de sangue e libido, sempre com muito impacto visual e sem papas na língua. O estilo inconfundível também moldou os controversos O homem sem sombra e Showgirls, sendo que o último, mesmo sendo defenestrado constantemente em relações de filmes ruins, ainda conseguiu atrair um séqüito de fãs fervorosos, tudo graças ao trato que o diretor possui com cenas pra lá de “picantes”.

A espiã, sua mais nova empreitada, felizmente fica mais próxima do primeiro grupo. A produção marca o retorno de Verhoeven à sua Holanda natal e à temática da Segunda Guerra, retratada no clássico Soldado de laranja. A violência faz-se presente, é claro, mas o tom estilizado que nos acostumamos a ver nas obras do cineasta dá lugar a uma abordagem mais realista das barbáries cometidas por Nazistas e Aliados, um esforço claro para permanecer neutro, longe do maniqueísmo que costuma rondar produções desse tipo, potencializado por um roteiro que constantemente força a protagonista a rever conceitos e analisar o caráter dos companheiros.

Ellis, vivida magistralmente por Carice van Houten (já terei visto a melhor interpretação de 2008!?) é uma judia que luta para escapar da perseguição alemã na Holanda de 1944. Em uma fuga mal sucedida, ela testemunha a execução brutal de diversos judeus, entre eles, sua família. A dor da perda alimenta um revanchismo que faz a moça juntar forças à resistência holandesa. Eles propõem que ela se aproxime de um comandante alemão que demonstrou claro interesse pela bela figura de Ellis disfarçada como ariana legítima. O problema é que o oficial em questão pode não ser o real inimigo, o que obrigará nossa heroína a redobrar o cuidado em todas as frentes
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Carice van Houten é o grande achado da produção

Se Verhoeven puxou um pouco o freio na violência para soar mais realista, no campo do sexo ele engata a sétima marcha. A espiã está longe de ser uma “pornochanchada” como Showgirls, mas depende em demasia da sexualidade para o desenvolvimento da trama. Ellis está disposta a tudo pela missão, o que fica claro na seqüência em que ela tinge os pêlos pubianos para disfarçar sua origem racial, mostrando que dormir com o inimigo é um sacrifício calculado.

Verhoeven consegue imprimir um ritmo instigante à trama e suas incontáveis reviravoltas, mas não atinge a perfeição de outrora por conta de certos deslizes narrativos, em especial o envolvimento afetivo de Ellis com seu espionado, que soa forçado por dar-se de maneira abrupta e, até certo ponto, inexplicável. O diretor pode argumentar que é impossível explicar a natureza de uma paixão e suas nuances. No amor, na guerra e também no cinema de Verhoeven, vale tudo.

Mas estes são apenas alguns pormenores que não tiram o brilho do retorno de um dos cineastas mais marcantes da virada dos anos oitenta para os noventa. Verhoeven prepara-se agora para voltar a Hollywood, no comando da superprodução Thomas Crown 2. Ele pode voltar sem o prestígio dos tempos áureos, mas traz na bagagem uma produção que atesta sua competência em fazer cinema de qualidade.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

Cinema

Melhores de 2007

Um novo ano começa e, naturalmente, muitas novidades dominarão os doze meses que teremos pela frente. Mas durante os primeiros dias é sempre muito difícil escapar daquele sentimento saudosista em relação ao ano que foi embora. Por isso mesmo, o alvorecer de um novo ano é momento propício para fazer um balanço dos prós e contras do anterior. E aí pipocam listas de melhores e piores do ano em tudo quanto é lugar.

O Script! não fica de fora dessa mania, apresentando sua relação de melhores do ano no cinema em 2007. Apesar de não serem a coisa mais original do mundo, as listas geralmente servem como ótimos guias para quem passou batido por alguns lançamentos e quer usar a energia do começo do ano para recuperar o tempo perdido. Mãos à obra e feliz 2008!!!

Os dez melhores filmes de 2008 segundo o Script!
Dois mil e sete apresenta uma ligeira queda de qualidade quando comparado ao seu antecessor. Mesmo assim tivemos chance de conferir muita coisa boa:

10º lugar – O ultimato Bourne (Paul Greengrass)
Inteligência e ação cabem sim no mesmo filme. Pelo menos na trilogia do Jason Bourne vivido por Matt Damon, que ganhou um apoteótico capítulo final nas mãos do diretor Paul Greengrass. O cara soube misturar suspense, ação e o drama de um homem que é apresentado ao seu passado sem perder o rumo da narrativa, mesmo filmando em dezenas de locações espalhadas mundo afora.

9º lugar – Zodíaco (David Fincher)
David Fincher abdicou de suas famosas experimentações técnicas para deixar o terreno livre para o elenco brilhar neste thriller às avessas. O longa – baseado em uma história real – não se preocupa em apontar um culpado para crimes que nem a polícia conseguiu solucionar. Os ataques em si também não são o destaque. Fincher preferiu colocar o foco na obsessão dos envolvidos em resolver o caso e nas falhas de comunicação que permitiram ao assassino ficar impune. Destaque para a soberba atuação de Robert Downey Jr.

8º lugar – Borat (Sacha Baron Coen)
O maior fenômeno do ano que passou deve todo o seu sucesso ao impressionante desempenho do humorista Sacha Baron Coen, que não precisou de um orçamento turbinado para alcançar o sucesso. Para Coen, bastaram talento, coragem e a originalidade do formato escolhido – um falso documentário feito por um repórter do Cazaquistão – e zoar com os preconceitos do povo norte-americano. Graças à divulgação maciça na Internet, Borat fez rios de dinheiro para a Fox, alçou Coen ao estrelato, fez aumentar o turismo no Cazaquistão e provou que ainda existe vida inteligente nas comédias cinematográficas norte-americanas.

7º lugar – O hospedeiro (Bong John-Hoo)
De uns anos pra cá a Coréia despontou como potência cinematográfica, lotando as programações de diversos festivais. Mas se sobravam obras autorais, ainda faltava um legítimo blockbuster na filmografia do país, um filme capaz de chamar a atenção do grande público. O hospedeiro preenche este espaço, sem dever nada aos concorrentes americanos, com a ligeira vantagem de soar original. O legítimo “filme de monstro” de Bong John-Hoo se sai bem como drama familiar, comédia ou como crítica à política americana e seus métodos alheios à destruição do meio ambiente.

6º lugar – O despertar de uma paixão (John Curran)
Edward Norton e Naomi Watts estão entre os atores que melhor selecionam seus projetos em Hollywood. Logo, uma produção que reunisse ambos dificilmente escaparia do rótulo de filmaço. A refilmagem do clássico O véu pintado é exatamente isso, um ótimo filme ancorado em excelentes interpretações da dupla protagonista, na direção segura de John Curran e na belíssima fotografia de Stuart Dryburgh, uma equipe capaz de retratar a transição da milenar tradição chinesa para a modernidade por meio de um conturbado casamento arranjado.

5º lugar – Tropa de elite (José Padilha)
Tropa de elite
pode não ter superado a bilheteria de Dois filhos de Francisco, mas certamente atingiu um público muito maior. É difícil precisar até que ponto a pirataria descontrolada atrapalhou a arrecadação ou ajudou na divulgação do filme. O certo é que ainda vai levar tempo para que o povo esqueça os bordões do Capitão Nascimento, interpretado magistralmente por Wagner Moura.

4º lugar – O homem duplo (Richard Linklater)
Philip K. Dick é um dos escritores mais adaptados para o cinema, e geralmente com produções bem acima da média. Mas a obra mais pessoal de Dick só ganha anos após a morte do escritor. Uma pena, pois certamente ele aprovaria a viagem lisérgica proporcionada pelo diretor Richard Linklater e sua técnica de rotoscopia digital, que deixa tudo com cara de animação. O elenco estelar também se destaca, apesar das feições estilizadas. Keanu Revees compensa a falta de talento para atuar com a escolha de um ótimo papel – de novo! Tem bom gosto o rapaz!

3º lugar – Maria Antonieta (Sofia Coppola)
As vaias em Cannes fizeram Sofia Coppola chorar, mas a alegria deve ter retornado logo, quando o mundo percebeu que os franceses estavam muito mais descontentes em ver uma Maria Antonieta bem retratada do que com a qualidade do filme em si. Mais uma vez a diretora nos brinda com seu vigoroso frescor narrativo, que a coloca facilmente na ilustre posição de cineasta mais moderna da atualidade. O Oscar de figurino serviu como alento para as injustas vaias, mas não fossem estas, certamente Maria Antonieta teria abocanhado algo maior.

2º lugar – O cheiro do ralo (Heitor Dhalia)
A febre de adaptações de quadrinhos chegou ao Brasil e escolheu justo uma obra de Lourenço Mutarelli, um de nossos quadrinhistas mais amalucados, para dar o pontapé inicial. Tudo bem que O Cheiro do ralo foi adaptado de um livro e não de uma HQ propriamente dita, mas carrega em seu texto genial muito da leveza e agilidade narrativa da mídia na qual Mutarelli começou a carreira. Acompanhado do diretor Heitor Dhalia e do astro Selton Mello (soberbo!) Mutarelli encontra o terreno ideal para destilar seu humor negro na história de um sujeito antipático que apaixona-se por uma bunda.

1º LUGAR – Ratatoille (Brad Bird)
O talento de Brad Bird para contar uma história parece sobrenatural. Em todos os seus projetos ele mostrou que a animação não deve ser vista como gênero, e sim como ferramenta para a produção de um filme. O diretor não enxerga diferenças entre o desenvolvimento de um desenho animado para o de um filme tradicional. Talvez por isso seus personagens sejam tão cheios de vida e personalidade. Não fossem o preconceito e a restrição da academia, Ratatoille poderia concorrer em diversas categorias do Oscar, desde prêmios para as interpretações, até os de melhor montagem ou fotografia. Não vai acontecer, e talvez Ratatoille nem consiga a estatueta de animação, já que a obra-prima Persépolis estreou em circuito restrito nos Estados Unidos. Como se trata de uma animação de viés político, ela tem boas chances de desbancar o melhor filme de 2008 na premiação.

Melhor ator – Wagner Moura (Tropa de elite)
Uma barbada. Tudo bem que Selton Mello está fenomenal em O cheiro do ralo, que Robert Downey Jr. roubou a cena em Zodíaco e O homem duplo, mas Wagner Moura tornou-se a personificação do policial do Bope. A instituição provavelmente terá sua imagem vinculada aos arroubos de violência do Capitão Nascimento durante muitos anos. Wagner Moura é, sem dúvida, o maior responsável pela sociedade brasileira ter finalmente discutido qual é o perfil ideal para nossa polícia. Uma conquista maior do que qualquer prêmio.

Melhor Atriz – Naomi Watts (O despertar de uma paixão)
Dois mil e sete foi um ano marcado por fortes personagens masculinos, mas foram poucas as mulheres que tiveram papéis de destaque na telona. Destas, Naomi Watts provou mais uma vez ser um dos maiores talentos de sua geração, na pele de Kitty, uma mulher que é obrigada a casar com quem não ama, passa a trair o marido, e por meio da situação mais improvável, apaixona-se perdidamente por ele. Watts cria sua personagem com elegância e sutileza, como pedem os filmes de época, mostrando que não é preciso “histrionismos” para conseguir se destacar.

Melhor diretor – Brad Bird (Ratatoille)
É triste constatar que Bird só estará no panteão dos grandes diretores se um dia passar a dirigir filmes com atores reais. O preconceito contra animações já foi manifestado até pela academia, que criou uma categoria à parte para o formato, como se não fosse possível que desenhos competissem com filmes convencionais. Mas isso não é problema para Bird. Apesar do diretor já ter manifestado vontade de dirigir um filme “live action”, ele continua apaixonado pela animação, e não admite interferências de estúdios que queiram tornar seus longas menos “inteligentes” e mais atrativos ao público infantil.