domingo, fevereiro 17, 2008

Cinema

Honrados mafiosos


Lucas: Esquema familiar para levar um negro ao topo do tráfico

Filmes de mafiosos são, desde muito tempo, um gênero em Hollywood. E não poderia mesmo ser diferente. O crime organizado é celeiro de histórias impensáveis no cotidiano do restante da sociedade, vivenciadas por homens que já viram e fizeram de tudo, conseguiram dinheiro e poder, e mataram para que estes não lhes fossem retirados. Sem dúvida, uma inesgotável fonte de inspiração para a indústria.

O fascínio exercido pelo mundo da ilegalidade retratou organizações criminosas oriundas dos mais diversos cantos do mundo, rendendo filmes memoráveis, mas nunca uma superprodução do gênero havia sido protagonizada por um negro. Uma aposta bancada pelo já calejado diretor Ridley Scott, que só agora resolveu aderir ao clube dos que abraçaram tal filão. E o personagem principal de O gângster não é um homem qualquer. Frank Lucas é um personagem da vida real, que virou de cabeça pra baixo o cenário criminoso da Nova York dos anos setenta, sendo o primeiro negro a conseguir ultrapassar o volume de negócios dos traficantes da máfia italiana.

Para contar sua história, Scott decidiu dividir o longa em dois focos narrativos paralelos. O primeiro diz respeito à ascensão criminosa de Lucas (encarnado com excelência por Denzel Washington) enquanto o segundo retrata o trabalho do investigador Richie Roberts (vivido por um competente Russell Crowe) para desvendar o esquema implantado pelo mafioso. O formato evidencia os contrastes entre os protagonistas – um é capaz de quase tudo para subir na vida, o outro não consegue se dar bem por ser incapaz de infligir regras – mas também deixa claro que o senso ético (conceito extremamente pessoal) é o pilar que sustenta as ações de ambos.

Lucas baseou todo seu negócio em um modelo familiar, empregando apenas fparentes, em uma estrutura semelhante a da máfia siciliana. Cortou os intermediários para os fornecedores e foi pessoalmente buscar heroína no Vietnã dominado pela guerra. Com o auxílio dos militares, conseguiu garantir o produto mais puro da cidade pelo menor preço, mas sempre atuando de forma discreta. Seu dia-a-dia era marcado por atividades corriqueiras, onde eram priorizados a família e o trabalho. O mafioso nunca quis ver seu nome catapultado para os noticiários, uma postura que dificultava o trabalho de Roberts, fator que adiciona um elemento de perseguição à lá “gato e rato” à trama.


Crowe é um coadjuvante de luxo, com direito a subtrama paralela

O detetive também coloca o trabalho em primeiro lugar, o que faz com que sua mulher o abandone, levando consigo o filho pequeno. Esta postura também dificultou a vida dele dentro da polícia. Após devolver um milhão de dólares encontrados no porta-malas de um criminoso, Roberts perdeu o respeito dos colegas, mas não se importou nem um pouco. Bastava que qualquer um deles pisasse na bola para que o investigador aplicasse o rigor da lei.

A força de O gângster reside justamente nesta dicotomia e na noção de que toda ela foi baseada em fatos reais. O retrato sem floreios da degradação do “sonho americano”, na corrupção das instituições e na apropriação do ideal de terra da “livre iniciativa”, como forma de endossar a opção pelo crime, confere caráter político ao enredo, uma constante no profícuo gênero dos filmes de gângsteres. Rildey Scott soube beber da fonte, deu forma para mais um grande representante do estilo e, ironicamente, renovou seu vocabulário adotando as nuances de um dos formatos mais difundidos e copiados em Hollywood.

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