quinta-feira, julho 20, 2006

Cultura

Gênio Indomável



Deve ser estranho para um autor que durante anos lutou contra a síndrome do pânico ganhar as páginas de jornais e as telas de cinema, tornando-se um dos maiores queridinhos da cena cultural “underground” do país. Mas em se tratando de Lourenço Mutarelli, um dos mais criativos escritores de nossa geração, que começou nos quadrinhos mas já espande suas atividades pelas mais diversas mídias, como literatura, animação e o já citado cinema.

Definir um gênero para o trabalho de Mutarelli não é tarefa fácil. O mais honesto seria considerá-lo uma espécie de escritor autobiográfico. Seus personagens são geralmente tipos depressivos, pessoas engolidas pelo caos da vida urbana moderna com os mais diversos tipos de dificuldade para se relacionar com o mundo ao seu redor, ou seja, claramente inspirados nas dificuldades que o próprio Lourenço enfrentou.

Mas ao invés de se entregar ao drama e a tristeza, Mutarelli preferiu lançar um olhar clínico sobre os relacionamentos que ele temia, criticando a superficialidade da sociedade atual, sempre munido de um humor negro peculiar. Logo uma legião de admiradores se formou e, a medida que o número de fãs crescia, a crítica teve que se render a genialidade do escritor.

Alguns mais exaltados chegaram a comparar Lourenço com Machado de Assis, por sua perfeita reconstituição do cotidiano. Talvez seja um exagero, mas o fato é que Lourenço já ganhou a admiração de outros artistas, que se dizem influenciados pela capacidade narrativa do autor, capaz de transformar a linguagem escrita em uma narrativa visual muito próxima àquela dos quadrinhos, seu berço criativo, um estilo próprio (o paralelo mais próximo que consigo fazer é com José Saramago, o que evidencia as qualidades do autor.)

Um destes entusiastas é o diretor Heitor Dhalia, responsável por ingressar Lourenço no universo do cinema com as animações presentes no surreal Nina. Durante a divulgação do longa Lourenço conheceu o ator global Selton Mello (um dos mais talentosos do país), e lhe presenteou com uma cópia de seu livro O cheiro do ralo. Após a leitura Selton já engrossava as fileiras do fã clube de Mutarelli, a tal ponto que não só aceitou ajudar a bancar a adaptação de O cheiro do ralo para os cinemas, sob o comando de Heitor Dhalia, como nem sequer cobrou cachê pela atuação.

A dupla conseguiu até mesmo convencer Lourenço a atuar no longa. Resta saber se ele obterá sucesso também nesta empreitada, mas conhecendo o talento e versatilidade de Mutarelli, não estranharei ele se tornar uma estrela do cinema nacional, com o rosto estampado pelos cartazes mundo afora.


Selton Mello em adaptação de O cheiro do ralo

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