domingo, dezembro 31, 2006

Cinema

Alimentando a esperança


Clive Owen, especialista em atuar nos melhores longas do ano

Inúmeras obras já fizeram a associação entre crianças e o sentimento de esperança. Desde sempre, os pequenos simbolizam o futuro, período de tempo em que residem nossas maiores expectativas, as esperanças de dias melhores. Não se trata, portanto, de uma idéia original, mas o longa Filhos da esperança consegue elevar o conceito até um novo patamar, justamente porque constrói toda sua narrativa na premissa de que uma sociedade sem crianças é uma sociedade sem esperança. A diferença aqui é que o filme é capaz de nos convencer totalmente da idéia.

Estamos em 2027. Há dezoito anos a humanidade foi abalada por uma súbita crise de infertilidade. Sem poder constituir famílias e levar adiante nosso legado, a população passa a se revoltar com a própria existência sem sentido, transformando o mundo num cenário sombrio, devastado por inúmeras guerras e pelo desespero diante do armagedom inevitável. Apenas a Inglaterra sobrevive como uma nação típica e estruturada, condição garantida graças ao feroz regime totalitarista que tomou o poder, perseguindo a qualquer custo os imigrantes que tentam desfrutar da “ordem” vigente.

Para piorar, o mais jovem humano (o “bebê Diego, um argentino de dezoito anos que se tornou uma celebridade instantânea) acaba de ser assassinado por um fã, apenas por ter recusado um autógrafo. Não que isso seja capaz de abalar Theo Faron (Clive Owen). Na verdade, o protagonista da história aproveita toda comoção gerada em cima do funeral para conseguir um dia de folga para passear na fazenda do amigo Jasper (Michael Caine), única atividade que ainda lhe traz um pouco de alegria.

Theo é o herói típico. Passou a juventude lutando contra os desmandos do governo, em busca de uma sociedade mais justa, capaz de entregar um mundo melhor para as gerações posteriores. Encontrou sua cara-metade em Julian (Julianne Moore) e com ela decidiu constituir família. Porém, o sonho de felicidade do casal terminou rápido, após a perda do filho ainda pequeno. A misteriosa onde de infertilidade impossibilitou o casal de ter mais filhos. Consternados, eles acabam se separando. Theo, desiludido, passa a aguardar o fim de tudo sem resignar-se. Julian, por sua vez, vai buscar forças na militância do passado. Nada disso aparece no filme, mas em poucos diálogos somos capazes de presenciar toda a situação.

O destino se encarrega de reencontrá-los quando Julian pede ajuda a Theo para realizar uma operação que pode mudar o curso da humanidade. Theo é o único que pode conseguir um passaporte para Kee, garota que se torna a chave para resolver o problema da infertilidade. A volta da mulher amada e a natureza da missão em si reascendem a esperança de Theo de que seus esforços possam garantir um futuro melhor.

Apesar da estrutura, Filhos da esperança não pode ser classificado apenas como um filme de ação (mesmo contando com algumas das melhores seqüências da história do gênero). A produção também assume contornos panfletários, ao realizar um excelente paralelo entre àquele futuro sombrio e nossa realidade pouco animadora. O longa também funciona como um excelente drama, graças aos personagens profundos e interpretações pra lá de dedicadas.

A única falha está no final do filme. Não que eu discorde do rumo que a história segue, apenas acredito que ele termina de uma maneira um tanto abrupta. Mas nem isso é capaz de tirar o brilho desta aula de cinema dirigida pelo mexicano Alfonso Cuáron (E sua mãe também). Aqui, ele se supera: além de ter tirado o máximo de um elenco estrelado, rechear o longa com diálogos e cenas emocionantes, o diretor constrói tudo com uma perfeição técnica absurda em todos os aspectos. Destaque para o plano-seqüência que mostra a fuga de Theo e seus aliados.

A seqüência começa em uma conversa corriqueira, onde a câmera gira por dentro do carro para mostrar o diálogo de todos os ângulos. De súbito, um carro incendiado aparece logo à frente, e o que parecia ser apenas uma conversa reveladora torna-se uma dramática perseguição. A câmera entra e sai do carro, mostra a cena em todos seus detalhes para voltar ao carro e nos apresentar as conseqüências e depois repetir todo processo. É quando você se dá conta de que não há cortes, pelo menos não aparentes. São quase oito minutos de ação ininterrupta, o que eleva o suspense ao nível máximo do suportável. Um show, digno de todos os prêmios possíveis.

Na minha modesta opinião, o filme do ano. Mais que isso: um dos melhores que já pude assistir.

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